Tenho andado meio filósofo ultimamente. Converso bastante com os meus botões, esses incríveis companheiros de prosa, sábios como poucos. Debatemos sobre muitas coisas; mas um assunto, fruto de conversa amigável e saborosa que tive com uma amiga há algumas semanas, chamou muito a atenção dos meus fiéis companheiros de elucubração. Essa amiga falava de violência urbana, concretizada em um assalto sofrido por uma celebridade da televisão. Ela comentou sobre o desabafo do assaltado em seu blog, no qual ele escreveu que as pessoas o condenavam por ter sido assaltado e por pedir às autoridades públicas que não permitissem mais esse tipo de violência. Ouvimos, eu e meus botões, a fala da simpática amiga, na qual ela tomava o partido da tal celebridade assaltada, com muita ponderação, é verdade, mas entoando o mesmo grito de indignação contra a violência do assalto.
Confesso que não compreendo muito bem o mecanismo racional dos meus botões. Eles começam de vagar, mornos; então vão ganhando força, vão se interando do assunto e, após alguns dias, lá vêm eles, se não com um veredicto, ao menos com questões inquietantes. É bem verdade que, desta vez, vieram com uma ingenuidade bem capciosa quando questionaram: de qual violência devemos ter medo, com o qual devemos nos indignar, quando observamos o assalto cometido contra a tal celebridade da tevê?
E eis o ponto de vista dos meus queridos botões: o Brasil é um país rico, muito rico. Tal fausto nacional vai muito além do PIB, apesar de que, no final, o que importa é o que pode ser computado nessa medida de valores. Porém, numa visão mais abrangente, a fortuna do Brasil está em seu território continental, na imensa reserva de água doce, no grandioso potencial hidrelétrico, na flora exuberante e rica em compostos medicinais e cosméticos, na fauna variada, cuja imagem tem incrível potencial para comercialização turística. Do ângulo mais capitalista, ainda apontando as inúmeras riquezas do Brasil, podemos citar o fato de que está entre as maiores economias do planeta; além de todo o recurso natural do qual já se sabia da existência, tal como ouro, diamantes, esmeraldas, rubis, ferro, manganês, um dos maiores reservatórios naturais de água mineral do mundo, e uma infinidade de outros bens naturais, ainda descobriu-se, há pouco tempo, um imenso reservatório de petróleo, o ouro negro do nosso tempo.
Com tudo isso, com toda essa riqueza, em uma terra ao extremo fértil, ainda assim existe pobreza no Brasil. E não estamos falando de fatos isolados, não. Mais de um terço da população vive abaixo da linha de pobreza, em outras palavras, não tem nem o que comer. Metade do país pertence a 1% da população, 90% do que o país produz vai para nos bolsos dos 10% de cidadãos mais ricos. Ou seja, o Brasil é construído por cerca de 190 milhões de pessoas, mas, no fim, pertence a aproximadamente 10% dos brasileiros.
Esses botões danados!... E não pararam por aí, não. Ao contrário: e, retornando a tal celebridade vítima de um assalto, o mesmo é apresentador de um programa que vai ao ar uma vez por semana. O show de tevê que exibe é como morfina nas consciências do povo, defende entretenimento burro e vazio; propagandeia seus patrocinadores, grande corporações, os donos do sistema: arquiteto daquela desigualdade que mencionamos acima. Não entrando no mérito do valor cultural ou intelectual do tal programa de tevê, até por que não conseguimos ver nenhum, perguntamos: o que é violência para o povo brasileiro? Nesse conceito, existem gradações dessa violência? Ser rico, e perder uma bagatela em assalto e mais violento do que passar fome em um país tão rico e provido de tudo? É mais violento ter sua segurança ameaçada por um assaltante durante alguns minutos, ou ter sua vida e a de sua família ameaçada pela subnutrição decorrente da fome? É tão violento assim ter a crença de que se é superior ao resto abalada por um famélico viciado, num lance rápido da vida, ou ter sua inteligência atrofiada por um sistema de tevê que cria entretenimento inútil e burro, fundamentado na nudez feminina e no enaltecer de meia dúzia de nadas sociais?
Enfim, pensei e repensei nessas questões levantadas pelos meus botões e, querendo escrever alguma coisa em resposta, ainda não consegui passar da compilação das perguntas.
Ah, esses botões... Como são instigantes!