Dezassete de Outubro de 2007. Acordei várias vezes de madrugada. Para me certificar de que continuava vivo? De novo com a ideia obsidiante do “Livro de Todo o Conhecimento”. Cada vez me parecia mais distante o momento em que teria concentração e disponibilidade mental para começar a escrever a minha obra. Havia sempre coisas a intrometerem-se, reclamando maior urgência e eu cedendo, cedendo. Foi assim há anos e continua a ser. Eu já tinha deixado a sociedade de advogados em que trabalhei cinco anos para poder organizar e controlar melhor a minha vida. Iria exercer advocacia em prática isolada para não perder o contacto com o Direito e o Foro. Mas estava determinado a dedicar-me à escrita por ser o modo que eu necessito de dedicar-me à vida.
Desde a morte da minha mulher e do meu filho que entrei em profunda depressão e deixei de trabalhar como advogado. Passei a frequentar seminários e cursos diversos, para manter contacto com a realidade social e retomei a prática do ténis, por aconselhamento médico.
Ainda não consigo explicar muito bem a mim próprio porque aceitei trabalhar no caso de Teresa.
Não me levantei para escrever. Estava demasiado cansado e tinha a cabeça vazia. Fiquei a ouvir uivos do vento ciclónico pelas frinchas das portas e das janelas e a agitação das árvores. De quando em vez, o estrépito dos ramos a rachar. Pensei: os criminosos não têm rasgo nem têmpera para se aventurarem com um tempo destes. Mas nunca fiando. À cautela, deitei-me com uma arma carregada de oito balas, com pontaria por infra-vermelhos mais meia dúzia de carregadores num cinturão, à mão de semear. Se alguém se aventurasse a incomodar-me, mesmo que tivesse artes para driblar o Às, que é muito difícil de iludir, com gatos ou coelhos não conseguiriam, (com uma cadela é diferente) ainda haveria uns obstáculos para ultrapassar antes de chegarem até mim. E não é que a ideia da cadela ficou a fervilhar na minha cabeça? Estaria a cadela para o Às assim como Teresa está para mim? Até parece matemática, mas…E se isto fizesse sentido?