Morri!
Estou chateada da noite inteira indisposta!
O sono que não dá sinais de aparecer e aquela dor de estômago de torcer, me faz ficar como fera acuada... Onde a saída?
Já dia clareando e eu aqui...
Então penso que se tivesse 18 anos não teria dores de estômago! Como se a pouca idade me fizesse ilesa dessas dores corriqueiras!
E se eu morresse?
Bom... hipótese só para passar a hora e a dor pois quero ir caindo aos cacos até os 120 anos, claro!
Se eu morresse, certamente seria um transtorno! Filhos chorando, irmão, amigos poucos...
Deixaria sem dúvida um balaio de gato para eles deslindarem! Enovelamentos de uma vida inteira, herdados desde sempre!
Como gerir aquilo que não tive tempo de terminar de arrumar? Pobres filhos!
Depois do susto, aquela anestesia do velório, onde eles nem saberiam de fato o que estava acontecendo e nem acreditariam que estava mesmo...
Então, a dor, o choro na volta para a casa vazia. Lembrarão dos meus acertos (os meus erros só se lembrarão mais tarde), das minhas graças, dos meus hábitos bizarros, dos meus ditados e críticas, (do meu bom humor, certamente) e da minha voz carinhosa ao tratar cada um deles...
Sentirão culpas que não têm, lembrarão palavras que nem me lembro de ter ouvido e lastimarão ausências justificáveis. Se eu pudesse vê-los e ouvi-los, pensaria quão bobos nos faz a dor: achar culpas onde jamais tivemos!
Depois você viria... choraria ao pé do túmulo pela nossa vida toda! Pelos bons e maus momentos, pela descoberta do amor, pela perda e pela vida vazia agora...
Seriam momentos duros, não gostaria que você os tivesse!
Alguns dias silenciosos, e a necessidade de tornar mais prático o acontecido. Como fazer com os objetos, roupas, coisas que deixei! Um dilema para os meus filhos.
Nessa hora, centenas de papéis, textos, esboços, lembranças de momentos da minha vida iriam ser exterminados.
Os esboços compreendo, afinal não mais iria terminá-los! Papéis e textos impressos também, nenhuma serventia teria para eles!
Sei que guardariam com carinho meus poemas, minhas telas, trabalhos de uma vida inteira...começados aos 12 anos. Isto sim guardariam! Não pelo valor da arte, mas pelo carinho e respeito que sempre tiveram com as minhas “diversões”.
Preocupações...
Mais dias passando e a solução dos problemas vinda por ordem natural... É assim mesmo!
Desapontamentos... alguns acertos acalorados... Mas a vida iria colocando tudo no seu devido lugar, como é do seu feitio.
Então, rodo o calendário da vida para mais uns dois meses...
Nada sobrou da casa arrumada como eu gosto, das roupas, dos textos que seleciono para ler, anotações, remédios, nada!
Coisas sem serventia serão elefantes brancos: o piano, o violão, o teclado, as tintas e telas em branco... Os livros. Quem será o “guardião”? Será?
Mas como a vida é para frente e não aceita paradas, tudo vai se acomodando. Então, nos domingos, os filhos fazem churrasco, morrem de rir de piadas, fazem suas rotinas... correm atrás das crianças que fizeram alguma arte, comentam do cotidiano.
Nem um risco sequer da minha passagem por aqui.
E você volta à procura do que fazer pela noite; desta vez de verdade, desta vez, com razão e sem culpas!
Afinal... tudo passa...
Até essa minha idéia besta de pensar que morro agora!