Sentia o sebo dos cabelos sujos nas pontas dos dedos. Ficava assim por longos minutos, esfregando o indicador no polegar, ou passando as pontas de todos os dedos na pele oleosa da testa. Que nojo! pensava. Mas pior que isso era o homem sentado do outro lado do corredor do ônibus, com a metade dos pés para fora dos sapatos, achando que assim, ninguém sentiria o fedor ocre que saía de dentro deles, ou a gorda ao seu lado com bafo de cerveja... vômito. É... hálito de cerveja fede a vômito. A tarde findava... lembrou de Elis Regina cantando bêbada “caía a tarde feito um viaduro”... Nunca conseguiu imaginar a tarde caindo feito um viaduto até este dia. Calor infernal! Pensou, abanando-se com o livro. Sentia o sangue fazendo bolhas como água fervente. Em um ímpeto! Abriu com desespero a janela do ônibus, quase quebrando uma unha, caindo por cima da gorda que roncava e jogou fora o romance baratinho que comprou em uma banca de jornal. Sentiu um alívio... O ônibus parou e ela desceu na pouca luz da sua rua... mais um dia, ou seria menos um dia? Lembrou Elis Regina novamente e sorriu para si mesma, pois ontem deu no jornal que o viaduto caiu... caiu de verdade! Que coisa. A vida é uma intersecção metafórica.
o mais importante não se conta, se constrói com o não dito, com o subentendido, a alusão”. (Piglia)[/color][/color]