Crónicas : 

...no silêncio do desejo...

 
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<div style="text-align: justify;">…era tarde, na lareira ouvia-se o estalar da lenha, amordaçada, inquieta pelo fogo que ardia sem compaixão. Os olhos caíam nas lajes frias de granito que, como legos encaixados, cobriam aquela parte da cozinha de campo. Sentia-se o entardecer rápido da tarde Outonal. Lá fora, as árvores, já meias despidas, balançam os seus ramos numa sinfonia de saudade esperando o escurecer, mais um, deste devir de recatamento bucólico e interior. O escano encostado à parede, já com alguma centena de anos de idade, continua a suportar o peso dos companheiros que por ali descarregam o peso do dia. Mesmo ao lado, junto ao fogo, uma panela de três pernas, ferve as mentiras colhidas dos campos, cozinhando mais um jantar, ouvindo-se a dançar dentro dela, os convidados que, juntos, farão o repasto para a ceia que se seguirá lá para o fim da tarde. Com a samarra nas costas, encostado a madeira de castanho do escano, o ser olha para as paredes, escurecidas pelo fogo, que libertando as cinzas do renascimento, faz do branco e alvo estuque a trevosidade negra que se vê e sente. No pensamento corre desenfreadamente o nada vazio, o pensamento da misericórdia dos dias parados e esquecidos dos seres que habitam a solidão granítica da terra. Surge, primeiramente, o bater leve na janela, seguindo-se uma guerra de salpicos atiçados pelo Vento Norte, cantando e recitando em voz alta “…este tempo é meu…recolhe-te…”. A alma agreste, que vive neste limbo esquecido, olha lá para fora, esboça um sorriso melancólico, murmurando no seu pensamento a felicidade que tem por ter um casebre que o protege da borrasca. As horas passam devagar, o tempo parece que pára, dorme eternamente por entre montanhas e vales dos granitos profundos. Mais um toro é atirado para o fogo da vida, ardendo e sendo consumido pelos desejos da ressuscitação na terra onde as suas cinzas repousarão. A cara rude, provocada pelo frio da montanha, é amaciada pela doçura do ser que habita dentro dele, dando-lhe a simplicidade de uma gota de água pura, vertida nos riachos circundantes. Não deseja o mundo, nem tão pouco a iluminação eterna, quer, simplesmente, que a sua companheira de vida não o abandone, nem mude, a solidão que sempre foi pura com ele e que lhe dá o maior tesouro da sua vida…o silencio da paz interna.
</div>


"Quanto maior a armadura, mais frágil é o ser que nela habita!"



 
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Gothicum
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 15/11/2009 15:00  Atualizado: 15/11/2009 15:00
 Re: ...no silêncio do desejo...
Poeta,
Amei a musica e o video,
achei linda a imagem
e o texto fantastico!!!!!!


Parabens pelo talento!
beijos meus!

Enviado por Tópico
HorrorisCausa
Publicado: 15/11/2009 16:27  Atualizado: 15/11/2009 16:27
Administrador
Usuário desde: 15/02/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3764
 Re: ...no silêncio do desejo...
em tons da terra este texto parece-me qualquer coisa parada no tempo ascendendo o próprio tempo.

...um manancial de presenças.

beijo

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 15/11/2009 17:28  Atualizado: 15/11/2009 17:28
 Re: ...no silêncio do desejo...
Um texto fabuloso, prosa plena de poesia.

Tudo de bom

Enviado por Tópico
Conceição Bernardino
Publicado: 16/11/2009 00:16  Atualizado: 16/11/2009 00:16
Usuário desde: 22/08/2009
Localidade: Porto
Mensagens: 3357
 Re: ...no silêncio do desejo...
este texto levo-o comigo na minha memória de carências que não me pertencem mas que as sinto no seu todo.

beijo
MG

Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 16/11/2009 03:18  Atualizado: 16/11/2009 03:18
Usuário desde: 02/03/2007
Localidade: Queluz
Mensagens: 3731
 Re: ...no silêncio do desejo...
Gothicum

Li no silêncio do teu texto, entre-cortado pelo som deste magnífico vídeo de uma banda igualmente fantástica, uma das mais belas prosas dos últimos tempos!
Reconheci o cenário de um tempo parado no próprio tempo, onde já ninguém procura ninguém... a não ser nas memórias dos que lá viveram e ainda não partiram.

adorei, simplesmente

Beijo