- Não sei o que te diga. Para ser sincero, acho-te um idiota.
Pensas que nunca reparei nessa tua corcunda sempre a aumentar?
Claro que nunca fiz comentário acerca dessa montanha que te cresce nas costas, fingia ser amigo teu, um camarada real, mas, fiquei-me pelo sorriso mais fingido que há no mercado.
E esse teu bigodinho digo-te já de primeira que é do século passado, mais!, para melhor uso dele era oferecê-lo à tua mulherinha que dá corda a todo o sapato lá na padaria para que ela substitua os que tem debaixo do braço.
Como foste capaz depois de ter casado mudares de vida assim! Os donos dos bares que frequentávamos depois da uma da manhã, estão fartérrimos de perguntar por ti.
Queres saber o que eu respondo, queres saber? Ah, deve estar a ler o horóscopo à sua feia e gorda mulher. Aliás, só mesmo essa tipa é que te podia servir.
Olha para essas tuas banhas, meu comilão, devorador de entrecostos.
Não te via casado ou amigado ou encostado, sei lá, a mais nenhuma. A vossa cama deve sofrer de cãibras. Imagino.
Sinceramente, tu és um esquizóide que sofre de todas as doenças não-explicadas. E tens um senso que equivale à de um pescador que tem medo quando a água dá pelos joelhos e se assusta com os girinos. Por favor, não me voltes a deixar convites de jantarecos da empresa, no telemóvel.
O tempo que já perdi contigo não dá para suportar esse teu feitio de fazer guerrinhas por um rebuçado de mentol. Estás surpreendido, não estás? Olha, aquela prenda que te dei nos anos quero que fiques a saber de pronto, foi com a nota de vinte euros que um dia deixaste no meu carro. Não me importa o que estás a pensar neste momento, se uma lágrima te cair para a boca aproveita e sacia à vontade essa tristeza.
É o mais que te posso dar.
A verdade dói e eu não desminto.
E os cigarros que te cravei quando tinha um maço cheiinho no bolso, ehehe, dava-me um gozo que nem imaginas. Estás a ouvir meu palerma? Meu filho de um aleijado, meu operário mal remunerado que não sabes fazer outra coisa a não ser ver se a galinha tem ovos com esse teu nariz de maçaneta lá metido naquele sítio que agora nem digo.
Pois, presumo que não fazias ideia que eu andava contigo só para me apresentares a tua prima Márcia que meu deu cá um um jeitaço e boas ementas ao pé do farol de Esposende. A tua cara mais parece uma bolacha Maria que se escangalhou ao abrir o pacote, esses pontos negros que se alojaram ao pé do teu nariz, vão-te imortalizar, serás conhecido pelo…ui, que nojo só de pensar!
Os teus blazers são horríveis, ainda hoje não consigo entender como é que alguém pode ser tão sem-gosto como tu…meu…meu…colecionador de baratas! Quando me encontro com o teu psiquiatra, sabes, ele tem razão em todas as coisas que diz a teu respeito. Que tu és um malotinha que tresanda a Ben-u-ron.
Irrita-me o facto de não te irritares, dessa tua aparência que está tudo bem, que os teus filhos são especiais, hão-de dar-te muitas alegrias, que nenhum vizinho se veio queixar por um deles ter atirado pedras para o telhado ou por ter esganado um frango por reinação.
Pelo contrário, estás sempre na tua, vais para a biblioteca pesquisar pintores renascentistas e eu, “que vejo tudo sem ser visto”, só te imagino a pintares as unhacas da tua mulher. Nem sei como é que tu, com esse teu ar de ex-combatente de formigueiros, ainda não se lembrou de se candidatar à junta de freguesia.
Não existe remédio para a tua humilhação, meu frequentador de missinhas dominicais! Deves tanto à cultura que três bibliotecas juntas não te fariam valer! Hipócrita. Salafrário. Tu não ouves? Não dizes nada? Responde-me, pá! Por que é que estás sempre a abrir a boca quando eu falo?!Pára de imitar meus gestos, de fazeres de conta que tu és eu e eu sou tu. Cala-te! Diz que eu sou e sempre serei melhor do que tu. Diz, diz, diz!
(quinze segundos de reflexão e...)
rrssss, que nervos, vou ter de falar com a Rafaela para mandar vir cá um picheleiro, porque este espelho, ó carapau demolhado, está outra vez avariado!
Re: sermão ao ser
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