Poemas : 

Dos Paradigmas Extemporâneos

 
Deus morreu já algumas vezes
Foi ressuscitado em outras formas e morreu de novo
Mas continuam fazendo-lhe respiração bôca-à-bôca
Continuam desfibrilando-lhe o tórax putrefo e bombeando-lhe donativos de sangue universal
Morto e enterrado
Foi exumado
E seguem o trabalho de Frankenstein em tentar trovejar uma nova faísca no insidioso corpo
Mosaico de rígidas covardias e trêmulas entranhas
Inventam ainda hoje intervencionismos e passeatas que fazem ranger ainda outra vez as correntes enferrujadas e quebradiças do fantasma da maior consolação que o homem já nutriu
Pesadíssimos
Os crentes atemporais descartam toda realidade que os oprime com a clareza da obviedade
Desprezam este pequeno avanço que nosso gênero alcançou dentre tantas batalhas sangrentas
Travadas ora em nome do puro e simples domínio tirano
Ora em nome de parâmetros civilizacionais minimamente acatáveis.

Eu por minha vez não nego minha culpa
Meus sufrágios
Em tal âmbito vergonhoso
Não nego que tenha ludibriado estupidamente um ou outro comparsa com prosaicas odes ao insondável
Mas tento me retratar
Mesmo que afogado neste anonimato
Mesmo que somente me faça retratar frente a mim mesmo
Em minha soledade.

Se há um Deus
E ele é sol e astros e natureza
Então chamo-O eu de sol e astros e natureza assim como fazia o grande poeta noutra época
Vejo a perfeição da divina criação como a mais impensada tosse
O mais imprevisto espirro
O mais inconsequente desatino
O instinto mais carente de arbitrariedade e previsibilidade.

E assim inventam-se novos consolos
Nasce a doçura na saliva
Como nascem os atuns na feroz corredeira
Fortifica-se a arquitetura do coração
Espelhando a geometria das colméias mais selvagens
Desaparece a mais antiquíssima ira
Sedenta de Eternidade
A amarga voragem que age sempre em prol dum além-mundo
Duma próxima encarnação.

Não quero descartar a suprema afirmação do impossível Sim
Veja bem ainda vejo um infinito de tempo entre meus dedos
Mas sei que este infinito por ter um começo tem também um fim
Fim no sentido de término mesmo
Porquê achar fim no sentido de finalidade já é outra saga.

Aprendi a confiar em meus instintos
E me dei conta de que a originalidade do gênio
O impecável no artista irrepreensível
Nada mais são que meras consequências impontuáveis duma necessidade de significado.

Que significado criei a mim mesmo?
Como pude inventar minha verdade
Este segredo irrevelável em que ninguém creria?

Ah bem
Honestamente
Só aceitei ao fato recorrente de que não há um instante a perder
E também ingressei na escola que ensina as profundas diferenças entre a solidão e o abandono de si.

Em meio à argamassa disforme deste princípio dum novo milênio
Sigo caboclando
Sigo versando em instrumentália os aforismos de minha tropicalidade
Vez ou outra sinto arrepios platinados percorrerem-me como a mais indesejada confirmação de que sigo um caminho valoroso
Indesejada porquê tal caminho seja tão tortuoso
Tão arriscado e vazio de recompensas
Ao menos fica um vácuo sensorial no que antes era toda uma teoria incompreensível a respeito da justiça congênita à vida
No que antes era a teimosia doutrinária dum constante comércio de culpas e punições
E isto já é algo como uma recompensa
Se é que um vácuo pode ser um bem
Uma aquisição.

Algo como um ultrarrealismo cantarola
Saltita entre neologismos siderados e parábolas bem-humoradas
Uma dança que é a transcrição do rutilar da presença em onomatopéias venturosas lidas em voz alta através de linguagem dos sinais.

 
Autor
alikafinotti
 
Texto
Data
Leituras
929
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
7 pontos
7
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/11/2009 12:21  Atualizado: 09/11/2009 12:21
 Re: Dos Paradigmas Extemporâneos
Meu caro irmãozinho, li e reli esse seu poema e por um momento nutri a intenção de listar trechos dele e, junto de você, tentar entender o que você quis dizer ao escrevê-los, porem preferi deixar para lá, a liberdade que temos de escrever o que nos passa pela cabeça é uma conquista que não deve ser “cercada” de forma nenhuma. Porém, como cristão (ou crente, como você se refere), não posso deixar de discordar com basicamente tudo que você escreveu. Acredito que devemos ter um pouco mais de cuidado ao abordar assuntos que não são afetos apenas a nós. Acredito firmemente que devemos tomar cuidado ao abordar assuntos que, de alguma forma possam atingir outras pessoas em sua crença. Meu caro, vejo em seus textos uma capacidade bastante acurada, uma inteligência bastante grande e, baseado nisso que vejo ao ler seus poemas, não acredito que haja a necessidade de usá-las em um texto como esse que você cometeu. A inteligência é um dom de DEUS, assim como a perspicácia também o é. DEUS cumulou você, assim como outros autores cá do Luso de uma característica maravilhosa chamada sensibilidade. Sensibilidade é um dom de DEUS para você meu caro. Não menospreze a sensibilidade, a inteligência e a perspicácia concedidas a você pela graça de DEUS.

Abraços para você.




Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/11/2009 18:13  Atualizado: 09/11/2009 18:13
 Re: Dos Paradigmas Extemporâneos
Deixe-me dizer-lhe que apreciei imenso o seu texto, muito rico no pormenor, na forma descritiva.Sou um homem de várias visões e não vejo qualquer incompatibilidade entre Deus e Ateismo ou outra qualquer corrente filosófica(teoria do caos, do Big-Bang, Teoria De Darwin, etc).
Porém existe um senão : a negação de Deus implica a sua afirmação, pois só é possível negar algoo sobre o qual se faz uma afirmação.Logo a afirmação(sim, Deus existe e é) nasceu antes do resto - das negações e contrários -
Note que não estou afirmando a existência de Deus como uma verdade suprema e absoluta, apenas me ocorre que talvez a verdade(se por acaso a mesma é) se encontre num entrelaçar de todas as correntes científicas,artisticas e teológicas, num abraçar um novo mundo : olhando para quem acredita com a mesma humanidade que se olha aquele que não acredita !

Abraço