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O livro de todo o conhecimento (VI)

 
O taxista olhava-me incrédulo, sem responder. O que se passaria na cabeça dele? É evidente que eu não entraria num táxi que transportasse cães, como não me sentaria num sofá que tivesse sido usado por um cão, ou gato. E não era só pelo cheiro. Era pelo nojo. Estaria ele a ler-me o pensamento? Acredito que já me sentei em sofás e me deitei em lençóis por onde passaram bichos talvez até pestilentos. Se fosse a pensar no assunto a vida complicar-se-ia demasiado, sem necessidade. Há outras coisas em que pensar.
- Não, não transporto cães. É proibido.
- Então leve-me à Colina Verde, se faz favor.
Foram dez minutos de viagem relaxante junto à margem do rio Tâmega. Ao sair da primeira rotunda, a cem metros de minha casa, o táxi parou, em plena faixa de rodagem, sem deixar espaço para a circulação do trânsito. Eu ia no banco traseiro a olhar pela janela. Num magnífico espelho de água rebrilhava um sol intenso. Não estava à espera desta inopinada paragem. Olhei para o taxista e vi que ele tinha a cabeça pousada no volante e parecia-me inerte, morto. Naquele ponto a estrada era plana e a viatura, apesar de destravada, estava imóvel. Verifiquei que a caixa de velocidades estava engrenada. Coitado do homem! Que é que lhe aconteceu? Morreu? Lindo serviço. – pensei preocupado.
Saí para pedir ajuda, mas naquele momento não passava ninguém. A minha casa avistava-se dali. Com um assobio, chamei o Ás, o meu cão de guarda. E não só. Discreto, de pêlo curto, preto brilhante, com patas de fogo, corajoso e incorruptível, fiel ao dono, mas treinado para brincar com o inimigo. Pelos latidos, percebi que já me tinha no seu horizonte visual. Senti algum alívio.
O taxista estava a mexer-se e ouvi-o estrebuchar como se tivesse saído de um mergulho para respirar. Acorri, não fosse o homem mergulhar novamente com a cabeça no volante. Tartamudeou qualquer coisa: que estava com tanto sono que não era capaz de conduzir e se lhe levava o carro, de volta ao palácio da justiça.
- Então o transporte do cão está fora de questão? – Insisti.
Ele deteve-se a observar o Ás, que entretanto chegara e se pôs a farejá-lo. E condescendeu:
- Para onde queria levá-lo?
- Fiquei sem o carro. Roubaram-mo hoje mesmo. Preciso urgentemente de levar o meu cão a casa de uma pessoa que vive em Várzeas.
- Não participou à polícia?
- Não tive tempo.
- Consegue meter o cão na mala?
- Concerteza.
- Acha que o cão consegue localizar a viatura, ou o ladrão?






 
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Carlos Ricardo
 
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Enviado por Tópico
j.sofia.bernardes
Publicado: 07/11/2009 23:51  Atualizado: 07/11/2009 23:51
Muito Participativo
Usuário desde: 08/05/2009
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 Re: O livro de todo o conhecimento (VI)
Delicioso este conto do quotidiano...de bem contado.

abraço
Sofia