Espetaram a faca bem fundo no corpo do anarquista. De repente, a sua componente cíclica era fumo do passado, rio que secou sem dizer ao pescador o que fazer. Pânico, gritos, rituais seguiram-se ao acontecimento, que merecia celebração.
Estávamos livres. Podíamos pegar nas malas, viver juntos, ser felizes na nova ordem que era ordem. A avaliação subjectiva da nossa vida era agora ditadura de modo de vida, por opção democrática. Mas não escolhemos isto. Engane-se o que, empolgado por dez breves segundos de abstracção, julga que não volta ao julgamento da redundância anarquista. O padrão anarquista é mesmo esse: a falta de padrão provoca a excitação necessária para o seu restabelecimento em caso de desaparecimento.
Lá no meio, estamos nós. Governo provisório, que planeou para longos anos para ser deposto na tomada de posse, com lanças douradas apontadas à couraça que ficou em casa, despida no armário onde não se esconde nenhum amante. Apenas um anarquista, pronto a saltar no nosso sono, terceiro jogador num jogo para dois. E aparece sempre. Aleatoriamente. Como manda o padrão anarquista.
Pelo meio, somos matrimónio, comunhão, governo provisório quando nos é exigido pelos súbditos que, à falta de anarca na sua comarca, nomeiam o par mais perigoso para mandar.
Somos perigosos. Saltamos à traição, quando ninguém está a ver, para o armário do anarca, de qualquer comarca, e deixamos lá a marca, nos lençóis que ele nunca vai vestir, mas vai lavar quando a gente mandar, para quando lá voltar, estar limpo e pronto para usar.