Crónicas : 

Fones de ouvido

 
O fone de ouvido já é um antigo conhecido. Quando eu era criança ele já fazia parte do mundo. Não eram usados como os de hoje. Lembro-me e se você também é de gerações passadas, tem perto de cinquentinha mais ou menos, vai lembrar também. Claro que eu respeito se você quer dizer que não se lembra apenas para sentir-se mais jovem. Na década de setenta o fone era usado, geralmente, em salões de bailes pelos hoje chamados DJ’s que os usavam para trocar os famosos discos de vinil. Logicamente que algumas pessoas os tinham em suas casas, mas não era um costume comum. Poucos ouviam músicas em suas casas com fones de ouvido.
Há alguns anos atrás eu coordenava um trabalho com jovens e lembro-me de ter aparecido na época o tal do disc-man, todos os jovens queriam ter um. Era uma verdadeira febre pelo tal do disc-man. Caríssimo, poucos podiam ter um e se tivesse tinha de zelar por ele, pois podia criar pernas a qualquer momento. Antes disso o fone de ouvido só podia ser acoplado a grandes aparelhos impossíveis de serem carregados. Se você é de gerações anteriores a de 80, tente imaginar um disc-man que tocasse long plays (chamados também de bolachões). Um homem carregando um desses no ônibus. Seria do tamanho de uma mala. Alguém poderia dizer assim: “e se fosse feito apenas para tocar compacto simples ou compacto duplo?” Bom já seria um pouco só maior do que um cd, mas caberia duas ou quatro músicas apenas. Quer dizer o proprietário do aparelho teria de trocar de disco a todo momento e por isso levar uma bolsa com diversos deles para viajar. Bem, diz o ditado: “tudo vem a seu tempo”, realmente tudo a seu tempo. Antigamente a televisão não tinha controle remoto e era um tal de senta, levanta,...Senta, levanta,...Senta levanta. O negócio era usar só a famosa calça das propagandas de televisão; a Pervinc 70, a calça que nunca perdia o vinco e jamais precisava ser passada. Depois do advento do controle remoto parece que houve um aceleramento no progresso do mundo e tudo foi se transformando tão rapidamente, mas tão rapidamente que foi difícil acompanhar.
Bom...Voltemos ao hoje. Voltemos ao mundo atual. Acho que você já nem agüentava mais tanta velharia. Até mesmo o disc-man que apareceu há pouco tempo está entrando em extinção, tornando-se peça de museu. Foi-se o tempo que foi centro do desejo da juventude mundial. Tanto é verdade que em um dos ônibus em que eu viajava, havia um senhor moreno de uns 50 anos mais ou menos, é difícil precisar a idade, pois dizem que pessoas da raça negra quando aparecem os cabelos brancos é porque já passou dos setenta. Estava ele ouvindo música, pois percebi o fone de ouvido em seus ouvidos. Passado mais algum tempo uma poltrona ficou vazia e resolvi instintivamente mudar de lugar, ficando ao lado dele e foi uma surpresa vê-lo portando um grande disc-man. Não que isso seja preconceito, mas após o advento do MP3, MP4 e outros... Foi interessante observar aquilo. Não sei o que é que ele estava ouvindo, entretanto ele tinha um sorriso constante no rosto. Certamente devia estar ouvindo algo muito prazeroso. Prazeroso pra ele é claro! Não sei de que tipo de música você gosta, e nem ele, mas cada um deve ouvir aquilo de que gosta e ele estava satisfeito. Pena não poder transmitir o sentimento de prazer que aquele senhor estava sentindo, pois valeu a pena olhar para ele. Ele segurava aquele aparelhão nas mãos e nem ligava. Será que os jovens de hoje aceitariam sair por aí carregando um aparelhão daqueles nas mãos. Certamente seriam poucos.
Sinceramente, toda vez que vejo alguém com fones de ouvido, ouvindo músicas, fico curioso. O que será que ele está ouvindo? Lembro-me como se fosse agora, era entre meia-noite e uma da manhã e no banco ao lado do meu, estava um rapaz, aparentemente dormindo, vestido com roupas de tecido moletom acinzentadas com listras brancas. Olhei e observei os fones no ouvido. O rosto aparentava felicidade constante. Não dá curiosidade de compartilhar esses momentos com as pessoas? Conhecer-lhes o gosto? O que representa aquela música para eles? Porém eu não tive a coragem ou covardia, sei lá, de perguntar-lhe em meio ao seu deleite.
Hoje em dia, toda vez que alguém sobe em um ônibus, pode prestar atenção, dificilmente não haverá alguém com fones no ouvido. Houve viagens em que contei mais de cinco pessoas nesse estado de espírito. Isso acaba sendo uma terapia para não sentir o tempo da viagem.
Acredito que a tendência é cada dia mais aumentar o número de usuários deste instrumento cativante. Cada vez mais o progresso tecnológico cria novos aparelhos: menores, mais potentes, com maiores possibilidades de colocar números maiores de músicas e de organização e facilidade de uso. Isso certamente ajuda a melhorar a vida das pessoas e diminuir as tensões do dia-a-dia.

 
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Xaradaa
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