Tanta ave a subir das ruínas ardentes.
- Natércia Freire
Olha este corpo, este corpo que se multiplica
para ser ramo e sílaba e labirinto de sal
entre o sol e o mar, esta voz calada
a rasgar-se por entre as árvores
para fugir à sede das palavras
e arrastar o mundo pelas avenidas
quando a cal da memória seca na pele
tão de repente;
este corpo, corpo meu e às vezes sem dono,
este corpo indomável que se perde na doença da noite,
barco de papel na absurda solidão do sangue,
esta chama teimosa a gritar nas veias uma e outra vez
para manter os olhos bem abertos à confusão dos riachos.
Olha este corpo, tu, indiferente à fome e à tragédia,
que eu confesso já não saber como não ser areia
a escapar-se pelo abismo das feridas.
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João Coelho
Évora