Fazendeira de Sonhos
by Betha M. Costa
A mulher recolheu-se dos muitos anos em que esteve ligada a realidade pálida, cotidiana e cruel. Miudezas que não lhe faziam bem. Cansada de tudo resolveu viver de sonhos.
Imbuída nessa idéia comprou alguns alqueires de terras com muitas árvores e bom campo para pasto entre o Inferno e o Purgatório. Construiu casa simples, com todo o conforto que sempre almejou. Montou colorido curral. Na porteira da entrada pendurou uma placa escrita: Fazenda de Sonhos. Ali iria criar e engordar tantos sonhos quantos pudesse.
A “quimerocultura” não é atividade fácil. É preciso que o criador - além de toda a infra-estrutura para tal empreitada - tenha boa memória. Lace os sonhos mais distantes, do tempo mais longínquo de sua meninice e coloque-os no curral cercado para que eles não fujam.
Sonhos são feitos de matéria muito instável e há que se ter muito cuidado para que cresçam, façam-se sólidos o suficiente para serem vividos e guardados de novo. Também requerem mente criativa para gerar novas espécies e pô-las a conviver com as mais antigas. Alimentar dia a dia, viver um pouco de cada pequena utopia para que tomem corpo na memória afetiva e física do sonhador.
Muito tempo passou. A fazenda prosperava. Os pastos cheios de sonhos de todos os tamanhos, cores e formatos embelezam os olhos de quem os vivenciava. Tantos eles eram e tão belos e quase reais, que começaram a ser exportados para todos os cantos do país, onde as pessoas já não conseguiam ter os próprios sonhos.
Por inexplicável desarmonia, as esperanças e os risos que engodavam a quimérica cultura de repente abandonaram o coração e mente da criadora. Sem que se soubesse o motivo foram substituídos por melancolia e lágrimas. As utopias começaram a encolher e perder consistência... Esquálidas e descoloridas morriam nos pastos.
As mais resistentes ainda pularam o cercado na tentativa da salvação que não vinha. Foram atropeladas pelos automóveis nas estradas, por que as pessoas surpresas com um sonho lindo repentinamente diante de si, em vez de frear, aceleram os seus carros.
A fazenda ficou menor a cada dia. Sem criação, os pastos encolheram tanto, que a propriedade foi engolida metade pelo Purgatório e metade pelo Céu, e, sua dona ficou a eternidade presa entre os dois mundos.