Aquele sim era um sentir descabido. Aquele era sim um tórrido querer. Sentia-se como se tivesse acordado para viver um pesadelo. Sua intuição lhe dizia dia após dia: Isso não terminará bem. Mas, uma parte nublada, obscura do pensamento, como que drogado, não se fazia compreender. Oscilava. Horas mais real que fantasia, noutras um castelo de estranhas aparições. De algum modo toda a situação gerava um grande incômodo, e a cada manhã jurava por fim em algo que sabia, não terminaria bem. Mas o dia corria veloz, e alguns desejos ficavam no vento do caminho. Seria pecado? Crime? Castigo? Ou engordaria? Quem adiava quem? Quão difícil decidir, desanuviar os pensamentos vãos então, exigia quase um sangrar. Às vezes não entendia se era peso na consciência ou algo parecido... mas se martirizava, a verdade era essa. Desde o dia que idealizou , planejou, concebeu e sentiu, nunca mais dormira bem. Veio o querer, fora-se o sono e se vinha já manifestava tarde, chegava leve e em quase todas as noites acordava em sobressalto, como que asfixiado sentava na cama, e banhava-se de suor, frio... Depois outra demora para ao dormir retornar, isso quando conseguia. Ao fim de vinte e nove longos, intermináveis dias seu rosto tinha indisfarçáveis e generosas olheiras, de dia escondia com os óculos e de noite? O que faria? Perturbação. HAVERA de conseguir... resistir, tudo em nome da coerência, da moral, do “suposto” certo, do “tido politicamente correto”... Passou a contabilizar, qual um viciado em abstinência, um dia de cada vez. Era isso, um tortuoso dia de cada vez. Pontuava. Mas entristecia. Depois de um tempo era conduzido, guindado talvez pelos pensamentos secretos ou sabe-se Deus porque ao mesmo ponto. Mal via, e lá se achava. Seria se achava ou se perdia? Perderia? Que briga era aquela... Era mesmo o caminho do precipício, contra o qual parte dele se abstinha resistente e outra se atirava de olhos vendados... Que sentir era aquele. Que voraz vontade. Que o devorava, corroia, aos poucos... impassível, acorrentado, algemado, duvidoso..... O Que fazer? Num dia não tão qualquer achou que se bastaria, mas não... Tudo fora maior, mais forte, completamente incontrolável, irresistível, e quiçá sem volta... Aconteceu. “Quando a achou, se perdeu, quando o olho brilhou, entendeu, quando deu por si, estava ali...” (By Chico Cesar). E culminou. Gozo e restauração. Realização do infinito querer. Orgasmático. Quase delituoso. Avançara ao balcão rapidamente, com os olhos faiscantes, luminosos, vidrados, pupilas visivelmente dilatadas dirigiu-se a Magdalena, a bela e doce (suculenta) balconista... Um longo e infindo suspiro. O ápice. O êxtase. - Magdalena, por favor, um fatia da torta de bons bocados dupla... Na seqüência (como que avisada) entra a Dra. Diana, sua esquálida nutricionista, responsável pela dieta que tentava cumprir a dolorosos trinta e oito dias. Foi o fim... The end. Pensou: - as favas a flagrância delituosa, ao “ser pego com a boca na botija”, não exatamente na botija. Sabia-se naquela hora um ser delitivo. -danem-se as calças na mão, “be caught red-handed”.
E olhando para as suculentas fatias do pecado, cantou em pensamento, antes de abocanhá-las: ... “QUANDO VI VOCÊ ME APAIXONEI.”
Adendos:
Música incidental: “A primeira vista” de Chico Cesar.
Be caught red-handed - Expressão idiomática que em Inglês resume todas as citadas como: ser pego com a boca na botija, com as calças na mão, no flagra, ou seja, ser pego com a mão vermelha (de sangue) no ato do crime.
# A palavra HAVERA está escrita em maiúsculas em razão de não grafar em Itálico, aqui no Recanto. A razão é: ela não existe na Língua Portuguesa, mas é comum falar nas regiões Norte/ Nordeste. Regionalismo com a devida observação.