Após longos beijos doentes
Com os meus beiços dormentes,
Em êxtase e completo delírio,
Vi-te, nua, a banhar-se num rio.
Enchia-me a vista a vê-la ali...
A pele pura, morena e macia
Parece que por si só refletia
A eterna beleza do dia.
Suspensos
Os cabelos vermelhos, partidos
Ao meio e presos por uma triste tiara.
As sobrancelhas, também vermelhas,
Lagartas brejeiras à relva devorar.
Os olhos lagos de lava de extinto vulcão,
Pérolas negras...
A boca bipartida, de grossos lábios
Fonte duradoura de instantâneo prazer
Donde me entorpeço e me intoxico...
Mãos finas e brancas como brumas montanhesas
Dedos longos com pontas rosadas e unhas luminosas
Um fino nariz que mais parecia um grego
Vaso onde depositei todas as minhas flores.
Tinha elas vermelhas e as amarelas,
Aliciava as mais perfumosas e colhia sempre
As mais novas e deixava murchar as mais anosas...
No seu rosto sentia a luz branca a me ofuscar
A cansada visão; No meu peito batia forte meu coração.
Suava como um atleta em súbita atividade
Procurava como um verme essa tal felicidade
Percorria com a mais pura alegria
Os férteis campos da minha imaginação...
Ah! Agora eu quero declamar... evocar...
Porto solitário num oásis imaginário
Criaturas negras que passeiam ao crepúsculo
Semelhante a cães que a noite devora
Com caninos de sabre e garra de ave alada
Os pequenos ratos perdidos no porão do prostíbulo.
Crianças aleijadas que por terra estão a dormitar
Ao fundo, um estrídulo de pernas de grilo a grilar
Um aroma forte de desinfetante e hortelã
Ali, serpenteia uma cascavel...
Um cometa passa... longe...
Alumiando tudo que era escuro
Tudo que foi cinza, enquanto lá fora
Flores macilentas amareleciam
Frutas apodreciam e pessoas
Sorriam e se perdiam no riso
Fortuito e, às vezes, num relance gratuito
Em que as porcelanas não mais se quebravam.
Estrelas que cintilam de forma ilusória
Mistérios que circundam hemisférios cerebrais
Energia se transformando num jogo louco
De magnetismo, de eletricidade e mágica.
Cósmicos raios que fogem e fulgem no infinito,
Numa velocidade inconcebível, num estímulo
Luminoso qualquer para um qualquer
Sem olhos ou qualquer outro meio de percepção
Qualquer...
Meteoros porosos vagando lentamente
Circunvizinhando a imensa bola gaseificada
E material pastoso e energia, muita energia,
Com muitas nuvens escuras e tenebrosas
Repletas de pequeninos pontos luminosos
Num lácteo conúbio sideral
Numa abóbada celeste apenas por uma ínfima camada
Gasosa que reflete um azul magnífico, num mundo
Extraordinário de pessoas, plantas
E bichos, e tudo, e nada...
Gyl Ferrys