Da última vez que queria escrever, não sabia bem o que fazer. A solução para quando não há ideias é filosofar, escrever um monte de frases bonitas rematadas até dar golo.
Minuto 90. O avançado está lesionado, joga-se mal. O treinador está a coçar a barba de cima, pensando no apito final para poder coçar a de baixo longe das câmaras. O guarda-redes está determinado a segurar o empate, mesmo sem ter defendido nada até agora.
De repente, o árbitro começa a fazer um número de mímica no meio campo. Parecia estar a simular um suborno por parte do dono do clube da casa, que se encontrava na tribuna a jogar às cartas com três cães.
O lateral direito rouba o apito ao árbitro e sopra com força no sugestivo orifício. Sentiu uma onda de prazer e gritou mais alto do que o treinador dos visitantes, que pisou um rato que chamou a cegonha para largar uma bigorna para se vingar. Chamava-se Mário e pesava três quilos e duzentas. A ocasião devia-se a um saco de vinte e cinco das mesmas. De elevado grau de pureza, como o trinco que perdeu as poupanças no esquema da Pomba Branca.
Costumo contar esta história aos meus netos, quando estão a adormecer. Uma vez perguntaram-me porque fazia essa atrocidade cruel, e respondi com naturalidade. Se eles encontrarem algum sentido nisto, serão suficientemente loucos para saber ver jogar, para perceber a comichão, para pensar que o cão está retratado num quadro e repousa na casa que herdou do seu dono desaparafusado, para os filhos lhes darem dores nos pés, para meterem dinheiro debaixo do colchão. Estarão prontos para viver nesta palhaçada de mundo onde tudo se resume a um jogo de bola.