Há dias terríveis. Literalmente negativos. Uma porcaria de dias em que tudo nos corre mal! As coisas saem-nos ao contrário do que planeámos, os objectos caem-nos das mãos a toda a hora, e sabe-se lá o que mais. Depois, brota o mau humor, disparado às golfadas, a derreter a paciência de qualquer um que nos dirigiu uma piada inocente, sem má intenção. As horas decorrem sob aquela maldita tensão, atrás da qual se escondem razões que mais não são do que verdades caladas. À hora do almoço, os putos discutem, porque um tem isto e o outro não tem aquilo! “ Eu também quero! “ Como se o dar fosse um gesto sistemático e sempre a duo. Quando saem, é o silêncio. Porém, a tensão continua encurralada a um canto da mente.
À noite, as coisas pioram. Depois das aulas, vêm os TPC. Um diz que não tem, o outro quer ir para a rua. Volta suado. Sujo. Com pulseiras de elástico corrente, no pulso esquerdo. Os amigos também têm, é claro! “ Já para o duche! “ O mais novo, trouxe um teste para assinar. Amanhã, a reunião com a directora de turma. Lentamente, a tensão aprofunda-se…” Não é justo! “ Desabafa, baixinho. Desesperada. Sim, porque o pai pegou na “ mala de cartão “ e abalou para o outro extremo do Mundo e quem cá ficou que se desenvencilhe!
É claro que ela não concorda com este tipo de vida. Diz que é coisa de pobres. Um misto de cobardia e incompetência patriotas. Porque se há-de pensar tanto no Futuro, virando costas ao Presente? Será que toda essa preocupação não é apenas uma imperiosa necessidade de afirmação pessoal? “ Sejamos sinceros, valha-nos isso! Basta de tretas, actos impensados, sacrifícios inúteis. No fim, um punhado de dólares na mão e és um homem a sério! Não importa se deixaste algo para trás, momentos por viver. Tudo isso se recupera tão depressa, não é? E quando voltares, lá estaremos nós à tua espera no aeroporto para ver a tua cara de homem a sério! É a vida… Pobre teoria! “ Os miúdos já dormem. Ela escreve, tentando libertar-se daquela velha angústia e solidão. Inalteráveis. O que se perdeu, está perdido. O que vier depois disso serão momentos novos. Interligados aos velhos, é certo, mas absolutamente novos.
E o sofrimento do mal que isso faz, fica-lhe lá dentro do peito. Como uma lapa que se incrusta no rochedo… E, em dias não, sobe-lhe ao pensamento para se lembrar que o bem do Hoje lhe custou o mal do Ontem.
“ Ainda hei-de ser muito feliz! “ Acreditas mesmo nisso? Pergunta ela, mirando-se ao espelho. Sei lá… Sei que acredito em poucas coisas, mas que todas elas têm algo de importante. “ Non multa, sed multum “…
Manuela Fonseca