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Re: MESTRE CARTOLA
amigo julio
a tua crónica é excelente, de ritmo & vida, de bas-fond, do pequeno pormenor que revela o todo, misturando o alto & baixo. a mim, deste lado do oceano, faz-me pensar como tudo isso seria aqui impossível. não há, nestas paragens, uma verdadeira cultura popular portuguesa. de vez em quando, alguém se lembra que tínhamos danças e cantos, e então fazem-se umas coisas que não interessam a ninguém a não ser a algum dedicado antropólogo. dizem que criamos o fado, mas as casas de lisboa estão cheias de estrangeiros para o ouvir, porque, verdade seja dita, ninguém aqui o suporta. Eça de Queirós, depois de falar sobre a cultura europeia, rematava uma crónica que escreveu assim: «Nós, por aqui, temos a tourada..» e nem a tourada agora temos, porque esse traço medieval já desapareceu quase por completo. o português é, por natureza, anti-artístico. o nosso instinto e a arte são incompatíveis. nossa personalidade é fechada, crítica e autocrítica, quase impossibilitada de fazer esse desdobramento do «eu» que toda a arte exige. o português não sai de si próprio, vive fechado dentro da própria pele. é por isso que, em poesia, o português faz isto: imita. ele não sente «a aurora rósea do céu aberto»; ele, simplesmente, acha que isto deve soar bem e muito interessante e por isso o escreve. dizem que uma das nossas primeiras capacidades é a de nos transformarmos em outras culturas. um emigrante português aprende a nova língua em pouco tempo. alguns académicos, sempre fixados nos mitos, defendem que vem dos tempos dos descobrimentos, que isso ficou na nossa raça, essa apetência para nos integrarmos em outras culturas. mas não é nada disso. simplesmente, não existe uma cultura popular portuguesa, o nível cultural é tão baixo como o chão e, por isso, o português tem facilidade em aprender coisas novas, porque não tem necessidade de esquecer outras tantas. e, com isto, basta de bater em Portugal – que é um dos nosso traços, também, culpar este rectângulo de todas as infâmias.
um prazer ler essa crónica, caro julio.
abraço
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