Às vezes sento-me aqui nesta secretária em frente ao pc com a certeza que vou escrever algo, um poema, uma crónica, um novo capítulo do romance esdrúxulo em que consiste a minha vida e regurgito um monossílabo que me impede de assim a classificar. E deveria escrever sobre o quê? A capitulação perante o monitor em branco é contrária á condição em que gosto de me pensar, de alguém que sabe escrever umas coisas. E penso-me imbecil na idiotice falha do meu cérebro. Nada me sai, a não ser um ai de comiseração por este céu-da-boca sem palato, pela visão que me foge das retinas, o silêncio que arrebenta os tímpanos, falanges curtas no tacto que lhes falta. Fico assim confortavelmente insensível como que parado no pilar do tédio que suporta a minha ponte. Não rio e não choro, não corro e já nem o velho berlinde que tipava com os dedos acerta na cova que ansiosamente cavei para a encher de mais berlindes, uns atrás dos outros numa roda de gaiatos que no silencio do jogo faziam uma algazarra que prometia pau no regresso a casa. Hoje olho a cova e ela está vazia como a página no monitor. Nada me sai e não ser uma complacência descomprometida com aquilo que desejava ser, um imbecil que escreve umas coisas. Agradeceria a Deus essa insensibilidade não fosse o facto de me rir de quem abençoa a Deus por ter sobrevivido a um relâmpago sem se lembrar de quem o enviou. Já não há peixes no meu lago, o sal adensou-lhe as águas e fico na esperança que venham os flamingos. Viro lago e as minhas lágrimas servem de repasto mineral aos seus bicos curvos que me penetram as íris.