Hoje, é dia das crianças!
Mas indago o que comemorar?
Quando vivem nas praças a mendigar
Não têm mais forças, nem por fome chorar
Têm suas curtas existências, em bombas a apagar
Hoje no Afeganistão, não são mais felizes suas andanças.
Fustigadas nas intempéries, guerras em série e barbáries
O brinquedo mais familiar é um fuzil que fere e aborta
A vida deixou de ser, o sonho cortado, o corpo mutilado,
O futuro se confunde com o presente, a natureza ceifada
Hoje nas escolas,
A alegria é substituída pela violência e pelo medo
Como entender estes muros erigidos pelo mundo?
De um lado, a submissão, a vida marginal, a fome total
De outro, a dominação, a vida central, o poder do capital
Hoje o que vêem e com que brincam estas crianças?
Precocemente se transformam em guerreiros...
Mimetizam sangue derramado, destruição, vingança,
Nas figuras dos brinquedos, desenhos animados,
Nos vídeos, games, lutas, jogos, de fogos e mortes...
Hoje mais que nunca,
O mundo perdido dos adultos se descortina
Em velocidade estonteante, abolindo a infância,
Reduzindo a um triste cenário diante
Da triste decadência humana...
Hoje quais são os heróis e imagens que são vendidos
Às pobres crianças do mundo?
Hoje aqui, ali e acolá, cegamos nosso olhar
Diante das injustiças, é mais cômodo silenciar, calar
Nem toleramos quando clamam por Alá
Hoje nas ruas do mundo
Desiguais em quase tudo
E as nações desenvolvidas assistem mudas
O lento genocídio da diversidade,
Ainda em sementes ou mudas verdes
Hoje se fala em nome da segurança
E são arrastados em uma longa mordaça
Pais, filhos de outras terras cuja imposta desgraça
É combatida com sentença de morte,
Em nome de uma suposta (como no Iraque) ameaça
Hoje se fazem campanhas sórdidas
Em nome das crianças, esporadicamente
São arrecadadas fortunas sólidas
Mas a desigualdade não se combate com misérias
Este modelo é sufocante, injusto, imperial.
Hoje, como no passado,
A carroça da história não deixará impunes os invasores,
Assim foi com os bárbaros, Alexandre, Gêngis Khan,
No mundo moderno com britânicos, russos, americanos,
Mesmo com os mísseis atingindo o coração desta gente...
Hoje como ontem,
Jovens como no massacre de My Lai, no Vietnã
Vivendo isolados pela nefasta guerra em suas aldeias,
Como uma estrela distante desponta em anã
A barbárie ocidental elimina velhos, mulheres, crianças...
Hoje se desnuda o véu da inocência,
Ainda precoce, na curta infância,
Na ampulheta do tempo, que célere se esvai
Nos passos em terrenos minados, amputados
Mais um corpo que cai, mais um anjo que vai...
Hoje, choras pelas torres gêmeas e vítimas fatais (talvez mais pelas torres), mas amanhã,
Mortes de inocentes serão contadas nos livros de história
E justificadas como hoje como deveras necessárias
Dir-se-á certamente que se combateu o Evil, o Leviatã,
Hoje se fala em combater em nome da liberdade,
Mas “liberdade” dos capitais que dominam o mundo,
Asfixiam nações pobres, ditam suas regras sem piedade,
Modelo de democracia que é ditado pela sobrevivência
E força do mercado de Ases, sem fronteiras, sem limites
Hoje como ontem,
Em tempos de internet e controle remoto
A humanidade vive o velho dialético conflito
Ser e ter, ganhar e perder,
Conquistar e dominar, submeter e poder...
Hoje, ontem e sempre,
A chama sobrevive eternamente
Na Divina e inacabada obra do universo
Não prescinde de cada átomo, partícula ou semente
Sempre se transformando em esperança,
E tem na criança o símbolo do Verbo.
AjAraújo, reflexões sobre o Dia Internacional das Crianças, Outubro,2001.