Fui visitar o joel à prisa.
há anos que não o ia visitar. ele ficou muito contente assim que soube da visita para sábado, e tratou logo de pôr os maricas ao largo. ele sabe que a minha onda é mais ligeira, mais tipo carninha do vazio com gordurinha de lado em vez de paio de amarante.
a prisão onde ele está tem tudo, menos higiene. um gajo para lá entrar quase necessita de vestir aqueles fatos de astronauta para não sair de lá com uma peste negra nas cervicais. assim que cheguei, os polícias botaram um olho suspeito na minha pose de vanguardista. ou, talvez nunca tivessem visto alguém de fatiola colorida a dar aos pedais numa bicla destas de montanha que se arranjam por aí como novas.
o joel! deixem-me falar dele. quando recordo deste malandro, sempre na sua casal duas, que por me lembrar dela, começou já a doer-me o cu;
era pequeninha mas levava-nos a todo o lado.
uma vez fomos a uma corrida de porcos. ele fez questão de levar o seu porquito ildo, de 68 kg, connosco na motica, ele a conduzir, o porco no meio e eu atrás, para participar na prova.
ai não, que o prémio era dois pares de frangos, caseirinhos! por azar tivemos um pequeno despiste, acabando por lesionar o porco, com um luxação muscular na pata esquerda, logo, não foi além do nono lugar.
o joel, ficou em lágrimas, pois nessa semana repartira por igual as suas sopas de vinho com o bicho afim de lhe fortalecer as fibras rápidas. por não conseguir olhar mais na cara do bicho, pela derrota deste, vendeu-o por bom dinheiro a um imigrante da frança que por acaso foi com a cara do porco e, como tinha simpatia de sobra, convidou-nos a visitar a sua pequena mansão em vermoin de baixo. fomos no automobile do avec, um peugeot com motor turbo e estofos de veludo.
chegados lá, é que caímos a pique nas nossas misérias. aquilo era luxo. nunca tinhamos visto paredes interiores tão bem pintadinhas, sem uma única lasca. sofás tão molinhos e largos que dava vontade de experimentar ali na hora uma boa orgia. tive de deixar estes pensamentos para o fundo.
serviu-nos uma garrafa de champanhe. e que bom que era. o homem tinhas duas filhas a crescer, quinze, dezasseis anitos, mas notava-se que iam dar bons frutos.
falou-nos das saudades que sente deste país de merda mas que meia-volta tem de vir cá cheirar este antro de corrupções.
o joel, olhava tudo em sua volta, com uma vontade de rapinar um objecto para depois fazer comércio de rua. já nesta altura, ele não se segurava, tinha um precoce talento para o gamanço. tanto que teve que deu no que deu. a prisão foi a única forma de o segurar. mas por respeito a mim, nesse dia passou todo o tempo a coçar nas virilhas para se conter.
o avec estava encantado com o porco. e logo estabeleceu uma química que eu não consegui perceber.
se bem me lembro, deu-nos vinte contos por ele, mais uma garrafa de champanhe para o caminho. com esse dinheiro, durante dois meses, a bem dizer, foi só putas e vinho verde.
depois veio a parte pior. o regressar à vidinha. eu, sempre em casa a tentar compreender os astros, e o joel, a plastificar documentos no largo do senhor da cruz.
os desencontros tratou de nos separar, e foi no café do vilaça que soube que ele tinha ido dentro. como bom amigo, corri imediatamente para a casa dele consolar a suzi, que coitada, casada à sete meses, e saber que o seu mais-que-tudo espreita o sol por entre grades. apesar de tudo, o joel tem bom coração, logo, fiquei fodido para o resto do dia, a pensar que, se tivesse muita guita tratava de pôr um bom advogado a trabalhar depressa e bem no caso.
passaram-se oito anos até que eu me decidisse a montar na minha bicicleta e fazer-lhe essa visita. não o fiz em antes porque era como se adiasse a minha morte.
pois sabe-lo ali, preso como um canário, porventura a sofrer, a bater pívias porque não há outra maneira de compensar o corpo e a mente, era um iceberg de tristeza. mas naquele dia fez-se sol com fartura. e a vontade de lhe dar aquele abraço não se mede com barómetro.
aproveitei e levei-lhe uma saca com iogurtes, pão com manteiga, a playboy, umas pêras, uma manada de amendoins, e cinco maços de tabaco. após ter passado na revista, onde o polícia quase que me arrancava os tarecos, levaram-me para o local da visita, uma salinha com apenas duas cadeiras. eu cheguei primeiro.
sentei-me numa das cadeiras que sinceramente mais valia sentar numa sanita. no meu relógio de bolso, em prata (única relíquia que possuo, herdado do meu avô) marcava 16:05, e enquanto ele chegava e não chegava, pensava com os meus tintins: será que ele já está todo careca? pois já na época tinha umas falhas na frente que ele bem que tentava esconder mas que o tornava mais rídiculo. ou, estará magro, gordo, com tristeza de cão, marcas de navalha no rosto, pisaduras nos braços de cacetete.
terá ele resolvido o problema do sangue gordo no sangue, a micose nas virilhas, ou aquela questão brutal de estar sempre a dar peidos.
esqueci essa parte. o importante é que daqui a nada o joel virá por aí, algemado ou não, ele virá com o seu caribe no sorriso.
será um dia de muitas lembranças, outras para nem sequer falar, como daquela vez em que fomos às uvas e ele caiu numa poça cheia de bosta. aquilo manchou-lhe o orgulho. tanto que esteve dias fora e quando veio trazia um ar tibetano. de muita reflexão, talvez, ou de muita lavagem interior com absinto. coisa que o mantinha animadinho.
quando entrou na salinha onde eu esperava, nem quis crer com estes dois olhos que me acompanham à trinte sete primaveras no cartório, quando vi o joel, barbiadinho comó caralho, um cheiro a resina de pinho que me fazia coceguinhas no nariz, cabeça rapada à lâmina (já esperava isto), gordinho como um frango caseiro. o resto contou-me ele:
- isto aqui como vês, é um luxo, olha para mim, a bem dizer, um gajo caga e mija a que horas quiser.
- estou vendo, estou vendo, joel, o teu aspecto diz-me que aqui levas uma vidinha regrada.
- sabes como é, são muitos anos aqui dentro. tenho os meus negócios de tabaco, wisky e outros.
em segundos topei que o joel estava em alta estima. depois falámos de coisas banais, da suzi, a sua ex, que ele já sabia que ela não aguentara a ausência e meteu outro lá em casa, e prometeu vingança ao usurpador.
choramos e rimo-nos, contou casos de violência entre brancos e negros, que a maior parte dos novos presidiários são baptizados com uma enrabadela, mas que ele se escapara a essa prache, pois teve de pôr à prova a sua musculatura e o seu lado de rúfia de primeira. acredito.
ao fim de meia-hora, tocou um apito a indicar que estava na hora. abraçamo-nos com aquela pujança, aquela vontade de resumir oito anos a um abraço forte. despedimo-nos assim, com os olhos a regressar à realidade.
ele terá mais oito para cumprir e eu terei a liberdade toda para chamar pateta ao meu país. montei na minha bicla e zarpei com pensamentos divididos entre estar-se preso numa prisão e o estar-se preso numa liberdade.
com isto o tempo escureceu tão rápido que nem senti o frio na minha pele. parei a meio para dar uma mija, quis sacar o relógio para ver as horas, mas, misteriosamente ele sumira.
filho de um cabrão! gritei a pulmões cheios.
deixando no ar uma aviso: quando chegar a casa e contar isto à suzi ela vai saber quem é quem. e vou-lhe dizer: estás a ver, por estas e por outras é que já não se pode confiar nos amigos!