Na região não havera tortitas tão saborosas. Das duas ou três especialidades a mais requisitada era a de morango( partidos ao meio)envolta por uma mistura de leite condensado, creme de leite recoberta por uma massinha finíssima e crocante que se desfazia na boca finalizada com uma generosa cobertura de chocolate por cima.Aparentemente comum. Mas incomparável no sabor, textura e outras coisitas mais. Uns diziam ser as mãos quase de fada da Dona Ciça( vá saber...) O certo é que os casais da cidade e de toda a redondeza não passavam muito tempo sem degustar aquela maravilha. Aliás, degustar era o que nem faziam, devoravam. O vigor dos amantes renovava a cada ingestão. Vorazes sorviam suas damas quais estivessem a saborear a dita iguaria (seria dos deuses ou de quem?) Certo curiosíssimo consumidor até chegou ao ápice da curiosidade e mandou examinar a composição da mesma, crente que encontraria guaraná, catuaba, esses incentivos, mas qual o que, havia apenas o trivial já descrito. Nenhuma fórmula mágica. Algumas mães zelosas até proibiam suas donzelas da ousadia sob pena de terem poucas chances de mantê-las virgens impolutas até o casamento. Era um efeito instantâneo. Homens realizavam suas esposas como nunca, mulheres surpreendiam os maridos com desempenho e criatividade que eles sequer imaginavam. Dado o tanto de tortinhas a cidade tinha um clima de fetiche no ar. Aroma adocicado e meio apimentado do desejo. E a população crescia assustadoramente. Uns contam que uma moça recém alimentada pela mágica porção era facilmente identificada ao passar pelas ruas. Os homens farejavam, perdiam-se no assunto, ficavam meio que hipnotizados, e num despedir tresloucado corriam enlouquecidos para suas casas (ou casa das amadas). O que afinal teria a misteriosa torta? A Ciça que nunca casara, aos quarenta parecia estar entrando nos trinta. A cada dia se fazia mais viçosa. Pele de pêssego, tonalidade de jambo, lábios quais morangos, um avantajado quadril contrastando com finíssima cintura, pernas longas e bem desenhadas, os longos negros cabelos que emolduravam os olhos amendoados verdes qual mar. Inacreditável ser solteira. Inconcebível. Sem sequer um reles namorado, desde que apareceu por aquelas bandas e lá se iam muitos anos. Embasbacavam-se todos, pois ela parecia mulher absolutamente feliz. Como falava pouco, quase nada se sabia dela, da intimidade. Dizia reservadamente às damas que para manter a forma, não comia suas obras. No entanto, quando passava seu cheiro doce de frutas com nuances de florais sustentava-se no ar. Alguns homens apostavam que ao dela se aproximarem exalando de sua boca vinha um odor que encontravam nas tortas. Outros diziam que era qual cheiro do chocolate o aroma que vinha de sua pele, seu suor. Uns achavam até que ela tinha um ou uns amantes secretos. A verdade é que nada pudera se comprovar. Tudo era muito preservado, velado. Sabia-se apenas que nas madrugadas por um considerável período a luz do quarto que era o dela permanecia acesa, no outro, na seqüência apagava-se a luz do quarto e acendia-se a da cozinha,que só apagava já ao amanhecer. As tortas... Ah as tais tortinhas eram entregues pessoalmente por ela nos pontos de venda a partir das dez horas. Esse era um conhecido ritual.Somente no domingo a luz da cozinha não acendia, apenas a do quarto.Na segunda era o dia que não havia entrega. Sei mais não... Só isso... Só sei que a Ciça tinha um segredo só dela, supõe-se que cada homem da cidade o partilhava com ela, mas nunca entre si. Ninguém ousava mais do que meras especulações. Apenas...