Paulo Monteiro
Após o Combate do Arroio Teixeira ou Combate do Guamirim (20/11/1893), em que uma tropa republicana saída da sede do município foi derrotada pelo piquete comandado pelo coronel Veríssimo Ignácio da Veiga, as forças oficiais se reorganizaram e prepararam um revide à altura do revés sofrido.
O “bugre Veríssimo”, como era chamado pelos adversários, devido às relações amistosas mantidas com os caingangues que dominavam as serras circunvizinhas de Passo Fundo, continuava acampado às margens do Arroio Teixeira. Próximo dali jaziam os corpos dos pica-paus tombados no desigual confronto de 20 de novembro em que, armados de lanças e tacapes de guamirim, os maragatos derrotaram a bem armada força legalista. Ao mesmo tempo mantinha patrulhas até a estrada de Mato Castelhano, para o Leste, e próximo à sede do município, para o Sul. O principal acampamento dessas avançadas situava-se no Passo do Cruz, proximidades da casa do capitão maragato Silvio Alves de Rezende.
No dia 20 de dezembro de 1893, exatamente um mês após a derrota do Guamirim, um piquete castilhista, sob as ordens do capitão Francisco Brizola, atacou, pela madrugada, o reduto revolucionário instalado às margens do Passo do Cruz. O ataque foi desbaratado e os legalistas deixaram dois mortos, voltando o restante a toda velocidade provocando alarme entre os companheiros que ficaram na cidade.
O capitão Eleutherio dos Santos, que comandava o destacamento da Brigada Militar, e já derrotara um piquete revolucionário comandado por Theodoro Ignácio da Veiga, irmão do “bugre Veríssimo”, durante um combate travado no Butiá, a 26 de novembro de 1893, resolveu “vingar ao pé da letra o agravo da manhã, na expressão do general Antonio Ferreira Prestes Guimarães.
O capitão Eleutherio, à frente de 180 homens, parte deles comandados pelo próprio Francisco Brizola, partiu para o Passo do Cruz. Conseguiu chegar antes do coronel Veríssimo Ignácio da Veiga, que se encontrava próximo do Guamirim. Encontrou 150 revolucionários comandados pelo major João de Souza Ramos e o Capitão Theodoro Ignácio da Veiga, ainda eufóricos pela vitória da madrugada.
Eleutherio iniciou o combate atacando os maragatos. Estes responderam prontamente. Ao final de uma hora, o campo estava dominado pelos revolucionários. Os atacantes deixaram no local 25 mortos, entre eles o capitão Francisco Brizola. Como butim de guerra os vencedores contabilizaram mais de 40 cavalos encilhados, 32 armas de fogo de cano longo, pistolas, revólveres, espadas, lanças e um cargueiro com munição.
Os revolucionários perseguiram os vencidos, inclusive o capitão Eleutherio. Este, ferido à bala nas espáduas, não conseguiu chegar vivo à cidade, caindo morto a menos de três quilômetros dela. Com a notícia dessa nova derrota os republicanos passo-fundenses, militares e civis, abandonaram a cidade na direção de Cruz alta. O pânico deve ter sido maior pelo fato de que o próprio intendente, coronel Gervazio Lucas Annes, já não se encontrava na sede do município.
Os maragatos entraram na cidade, não sem antes recolherem o corpo do capitão Eleutherio dos Santos dando-lhe um sepultamento digno no cemitério católico. É bom que se diga que, à época, ainda seguindo uma tradição da Colônia e do Império, Passo Fundo dispunha de um cemitério para os católicos e outro para os não católicos. Estes eram sepultados na parte fronteira de onde seria construído, mais tarde, o quartel do Exército Brasileiro, na atual Rua Teixeira Soares.
No dia seguinte, o coronel Elisário Ferreira Prestes e o tenente-coronel José Borges Vieira, veterano da guerra contra o Paraguai, que chegavam de Soledade com uma força de 200 cavalarianos maragatos, perseguiram os fugitivos. Alcançados nas imediações de Carazinho foram atacados pela retaguarda, perdendo para os perseguidores três cargueiros carregados, duas carretas com diversos gêneros, além de gado vacum e cavalar.
Embora os historiadores falem no “Combate do Passo do Cruz”, na verdade foram dois combates travados no mesmo dia e no mesmo local. Isto porque, se a força revolucionária era a mesma, pois não houve tempo de receber reforços, bateu-se com duas tropas completamente diferentes. A primeira era um corpo irregular, de “voluntários”, e a segunda, sob o comando do capitão Eleutherio, tinha por base homens da Brigada Militar, reforçados com os “voluntários” que conseguiram chegar à cidade depois do combate matutino.
Eleutherio dos Santos deixou fama de homem leal para com os adversários, mantendo um comportamento típico de militar de carreira, como de fato era. Já Francisco Brizola, comandava mais um dos grupamentos paramilitares, como se diria em linguagem de hoje, que eram organizados nos municípios, àquela época, e ficavam a serviço dos cabecilhas legalistas.
Os republicanos jamais esqueceram as derrotas sofridas durante a Revolução Federalista. E tanto isso é verdade que mesmo depois da “pacificação do Rio Grande”, ocorrida no segundo semestre de 1895, a perseguição aos maragatos continuou. Prova disso é que o capitão federalista Silvio Alves de Rezende, seria uma de suas vítimas. No dia 15 de novembro de 1898, Sílvio e o primo, José Alves de Rezende, foram assassinados por sicários a mando dos dirigentes do Partido Republicano Rio-Grandense de Passo Fundo. Quando o capitão federalista, despreocupado e tranqüilo, maneava seu cavalo, foi atacado por cinco elementos armados, que lhe desferiram uma descarga, provocando morte instantânea. José tentou defender o primo e foi atingido várias vezes, falecendo três dias depois.
Além do assassínio, os cinco bandidos saquearam o corpo do capitão Silvio Alves de Rezende em 600$, relógio e outros objetos de valor que trazia consigo. Os homicidas não foram presos e, dias depois, passeavam pelas ruas de Passo Fundo, alardeando o crime.
poeta brasileiro da geração do mimeógrafo pertence a diversas entidades culturais do brasil e do exterior estudioso de história é autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas culturais literários e históricos