Mais um gole. Mais uma folha amassada e arremessada na lata de lixo. A tinta da fita borrava as minhas digitais. Preto, como a escuridão do meu quarto. Vermelho, como o vinho que me morre nos lábios. Nada de modernidade. Nada além disso. O futuro é objeto do meu desejo, o presente um imenso borrão à penumbra da folha, e, o passado muito aquém do meu apreço. Puxo outra, das alvas, do pacote sobre a mesa. Ajusto-a na máquina, certifico-me da sua linearidade. Acendo mais um toco de vela. Mais um gole da velha garrafa sem rótulo, sem nada. Desnudo-me agora. Inteiro. Por completo.
Datilografo a letra. Invejosa seja! Pede logo a companhia de outra! Ou seria apenas por estar se sentindo solitária? Assim, como eu, nessas frias madrugadas, que não me aquecem o peito. De nenhum jeito. As pálpebras já se enamoram uma da outra, se beijam, se perdem lentamente em seus desejos. Uma letra datilografada aos trapos de minhas inquietudes e já trago a vontade de pontuá-la mortalmente, menosprezando toda e qualquer uma de tuas virtudes. Sorri-me, assopra-me os olhos. Abandone o eito de minhas tristezas, dá-me cá logo este mote! Mais um gole, desça-me como este fâmulo vinho! “Passado”, vós sois a minha companhia agora! “O passado não reconhece o seu lugar, está sempre presente”. Mas, se “lamentar a dor passada, no presente, é criar outra dor, e, sofrer novamente”, o que faço eu aqui, nesta minha eterna torrente?
Mais um gole. Um pensamento tinto e seco. Um olhar sobre as lentes, a meia altura. O que fiz eu desde que tu cerraste os olhos, e, empalideceste eternamente? Vivi de tua efêmera existência, entreguei-me a um futuro que a mim não mais pertence. “O amor é a única paixão que não admite nem passado, nem futuro”. Viver-lo-ei agora, aqui neste meu presente mundo. E por te amar assim como eu te amo, arranco a folha da minha vida do rolamento desta máquina e amasso mais uma e pela última vez. “O passado é lição para se meditar, não para se reproduzir”. Novo gole.
Mais uma folha, puxo do pacote. Virginal alva lauda de minha vida. Acoplo-a junto à máquina, repito o movimento de tantas outras vezes. Datilografo a letra. Mas, desta vez, amor, não te deixo assim tão isolada. Dou-te logo, mais duas, em par, para te fazeres a companhia, que antes eu não pude te dar. Última gota da garrafa. A chama morre sobre a mesa. E eu deixo cá registrado em três letras, tudo aquilo que ficou deste meu passado:
“Leo”
rody
Mal de quem tem nomes compostos. "rô", "rody", "dih", "leo"... no final, é tudo a mesma coisa. Sou eu tentando ser eu mesmo. Ainda que com dois nomes...