O Reino da Incerteza
O copo, o talher, o prato e a cesta do pão, tudo disposto em cima da mesa de forma a iludir, um olhar menos atento, deitado aos parcos alimentos que ali foram deixados.
Assim, depois de abrir a porta, atravessar o Hall, dirigir-me à sala de jantar, foi para os objectos da mesa que os meus olhos se voltaram, como que a imaginar que naquele dia tudo seria diferente.
Em condições normais tudo isto me pareceria irrisório, nesse momento não o era; aliás, tudo se repetia há já longos anos e nunca tivera esta sensação tão forte que me conduzia ao sofá, para pensar friamente nesta e noutras coisas da vida. Sou um homem habituado a tudo, mas nunca como hoje sentira este apelo que vem do fundo da alma e que, com uma disposição quase anormal me decidia a pôr as cartas na mesa de uma vez por todas.
Sentado, deixei o meu pensamento recuar aos meus tempos de criança.
Ouvia a voz da minha mãe a falar com os seus botões, por ter gasto mais do que a sua parca bolsa lhe permitia.
O tempo foi passando: as mesmas palavras, as mesmas lamurias, repetidas da mesma forma e com a mesma cadência das oscilações do pêndulo de Foucault.
A vida foi passando pardacenta, onde a importância da rotina diária se sobrepunha aos demais afazeres, fossem eles pessoais ou profissionais.
A vida das famílias de parcos rendimentos é enfastiante: a comida do dia-a-dia resume-se a alguns pratos, que estão longe de poderem ser considerados como tal, pouca fruta e grandes doses de pão, para aconchegar a barriga. Festas? Quando o rei faz anos. Quanto a presentes, são quase inexistentes. Visitas? Poucas, e, por vezes, tornam o ambiente ainda mais sombrio.
Todas estas memórias me permitem falar, com conhecimento, dos pormenores que, quer no espaço quer no tempo, são uma representação fiel de todo um conjunto de vivências a que chamamos - vida.
A voz da minha mãe, dia a dia, tornou-se mais ténue.
A vida, é uma luta diária para vencer as adversidades que surgem quando menos se espera.
Tive oportunidade de sentir que só em teoria é que: " somos todos iguais, mas alguns são mais iguais que outros", no reino da incerteza.
Neno