E depois há alturas em que parece que o mundo te caiu em cima.Sim, o mundo, o globo terrestre com todas as kiloteslas e nanogramas que se lhe conhecem.
O obstáculo intransponível suga-te a energia, a luz, a fonte e o calor. Apetece-te colocar a cabeça entre as pernas, como os senhores paramédicos dizem para se fazer quando suspeitamos de quebra de tensão, e desistir. Apetece fechar portas e janelas e colocar o aviso: não estou, morri com um secreto desejo que ninguém acredite e volte mais tarde.
Apetece amaldiçoar tudo e todos e acima de tudo, todos quantos julgamos responsáveis pela infelicidade que nos caiu em cima aos trambolhões. E há vários. Há, invariavelmente e sempre, imensos.
E depois acordamos num profundo coma com os filhos a pedir o leite da manhã ou ajuda para ligar o televisor. E no sorriso de olhos brilhantes de uma cara laroca, aos pés da cama de onde achámos não nos voltaríamos a levantar, vamos buscar a força escondida que nos esmaga, também ela, o peito, e secamos as lágrimas, ensaiamos um sorriso e dizemos para nós mesmas, porque as mulheres nisso são fantásticas e conseguem, conseguem sim mesmo que não acreditem, e conseguem sempre que se propõem conseguir. Dizemos, bom dia espelho!
E vestimo-nos, e preparamos o leite, e olhamos pela janela, e ligamos o televisor, e vamos às compras com uma lista infinita que de nada nos serve porque a esquecemos no fundo da mala, e comovemo-nos com a venda de t-shirts para alegrar meninos deficientes, e olhamos os nossos e damos graças por não estarmos dependentes da venda de nenhuma t-shirt para lhes colocar um sorriso nos lábios, eles que nos acordaram de manhã de sorriso brilhante e um: mãe preciso-te. E compramos, cozinhamos, arrumamos, e ainda lavamos o carro, cozemos a mochila e escovamos os ténis, arrumamos brinquedos, sacudimos o pó, aspiramos o chão enquanto respondemos aos gritos, por cima do barulho do aspirador, a uma enfiada de perguntas sobre tudo e sobretudo sobre nada. E brincamos, sentadas no chão, pernas à chinês, vestimos bonecas ou colocamos rodas em carrinhos, há sempre peças a mais, e rimos com eles e eles connosco e nós de nós.
E preparamos banhos com bolas de sabão a pegar no chão da casa-de-banho que acabámos de limpar e suspiramos por ter de o fazer de novo enquanto as rebentamos por entre gargalhadas e cabelos a escorrer. E apanhamos todas as toalhas do chão e gritamos que se despachem, estão ao frio, que tontos! Vão-se constipar!
E ao jantar levantamo-nos trezentas vezes porque de mil algos nos esquecemos, e vigiamos que comam a sopa e tudo, a fruta descascada e as respostas intermináveis às perguntas infinitas que nunca acabam, meu Deus, será que nunca acabam? E deitamo-los com histórias de embalar, fazemos as vozes e os sons, eles sorriem de olhos pestanudos quase, quase a adormecer num abraço mãe adoro-te, e eu adoro-te a ti meu filho, meus filhos, todos. Meus.
E voltamos ao silêncio da casa, a máquina da roupa ligada, a loiça a escorrer, o almoço do dia seguinte orientado, as mochilas com os lanches, com os livros, os chapéus e os casacos, a roupa pronta aos pés das camas e a sopa? Oh Céus, e a sopa que pegou! E mais, mais?
E somos assim.
Mulheres. Mães. Por vezes tão cansadas que ao deitar, nesse mesmo dia, já nem nos lembramos do que nos fez acordar em lágrimas pesadas. Sentidas. Insuperáveis. Afinal não era nada.
Ainda bem. Só assim poderemos passar por tudo de novo e outra vez.