Comentário a "A noite que choveu insónias" de maria.ana |
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6/11/2007 15:11 Mensagens:
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Este comentário também se encontrará disponível no perfil do utilizador na caixa de comentários do poema.
O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário. De livro, é como começas este poema. Infinito. Arrumar é uma das possíveis de o encontrar, ou obter. Embora não me pareça que faça parte do estilo de escrita do autor. No primeiro verso, o infinitivo do verbo procura esse infinito. A negativa, adiantada pelo Des do “...Desarrumar...”, é o primeiro des-engano que nos é proposto. Cada verso da primeira estrofe tem essa acção, o verbo no infinitivo, que sendo repetida, torna-se, um pouco, desenfreada. As “...metáforas...” são seres muito sensíveis. Há dicionários e entendidos nelas, mas o que delas se sabe, é que, apesar de pertencerem ao senso comum, elas também podem ter sentidos impensáveis, e destinatários. Meta fora. A forma mais fácil de precisar e sua importância, é não ser literal. É uma maneira de se dizer. É uma comparação, sem “como”. Um floreado. Se arrumar “...metáforas...” não é fácil, correndo-se, por exemplo, o risco da repetição, ou de simplismo, o “...Desarrumar metáforas...” procurando, por exemplo, originalidade, é um exercício para toda a vida. E nada fácil. Como a metáfora pode ser uma desarrumação, estamos perante um pleonasmo, no primeiro verso. Depois, no segundo verso, há o uso do verbo “...subir...”. Há um esforço nisto. A “descer todos os santos ajudam”, e na subida, o cansaço pode desmotivar. Mas o verbo usado, apenas sublinha o objecto. A “...palavra...” é um ser vivo, em constante construção. Ela chega, nestes dias, já nesta forma prática, e escrita, mas teve um passado e terá um futuro, que nos ultrapassará largamente. Tem a utilidade que se reconhece, mas pertence, sobretudo (no nível de importância) ao domínio do pensamento. Mais do que ser aquilo que conhecemos dos outros (além do seu aspecto físico), é também o que conhecemos de nós. E damos a conhecer. Daí ser importante ter “...palavra...”. A “...palavra...” pode ser uma vogal, ou ser todo o escrito, alguma vez escrito. A sua “...tónica...” é a sua expressão mais forte. Com tónus, músculo, força, vibração. “...abrir...” no terceiro verso, mantém o curso do poema na positiva. Elevado. A abertura, é feita de “...janelas...” a elementos da natureza, que são transformadores. Os “...jardins...” são, geralmente, elementos de beleza, coloridos, perfumados, mas também trabalhados (o jardim tem sempre o jardineiro, ou será bosque). A junção “...jardins de luz...”, transmite essa intensidade e harmonia, associada às ideias, à claridade, à verdade, se quisermos. Menos comum, é jardins “...de vento...”. O dito, é duma capacidade transformadora enorme. Onde toca o vento há mudança, crescimento, ou erosão. O que nos é proposto na primeira estrofe... Magnífica. A segunda, justifica a primeira. Mas começa num tom diferente. Mantém a forma verbal, mas o verbo “...banir...” parece demasiadamente diferente, dos de até então. Até o “...desarrumar...”, foi mais delicado. O ritmo é diferente, menos pausado, devido à redução do número de verbos; dá para ler duma só vez e ficar com um “decrescente fértil”. Uma chuva de “...angústias...” deve fartar de molhar. Deve ser miudinha. A encharcar tolos. A ligação “...brumas...” e “...noite...”, choca de frente com os mais ordeiros e belos “...jardins...”. Mas, o “...poema...”, é também ele um antídoto. Um lenitivo que surge nas “...angústias...”. A arma e a armadura. A segunda estrofe, que encontra o título, sobejamente poético, marca uma missão que não é fácil de perseguir. E persegue o sujeito poético. Na “...noite que choveu angústias e insónias...” Mas, para isso, terá que se livrar d“...as brumas intocáveis...” A definição de “...brumas intocáveis...” é brilhante, no parênteses recto, na forma de estrofe também. A arma é o “...sonhar...”, lembrando muito, um pouco, a "Pedra Filosofal" de António Gedeão. Mas também “...quebrar (num registo um pouco mais violento) solidões\com relógios de sol...” E “...panos verdes...” (será do verbo ver?). Vamos a jogo? Como é fácil de perceber, um poema cheio de riqueza interpretativa, de figuras de estilo que cada leitor deve desvendar e escolher, que favoritei sem hesitar, que deambula sobre o mote, a inspiração e a responsabilidade da poesia. A noite que choveu insónias Desarrumar metáforas subir à tónica da palavra abrir janelas a jardins de luz e de vento banir do poema as brumas intocáveis da noite que choveu angústias e insónias [ movimentos circulares em areais vulneráveis ausência amarga a acender urgências ] Sonhar brilhos de espumas na rebentação das ondas quebrar solidões com relógios de sol e panos verdes.
Criado em: 16/6/2023 14:43
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Re: Comentário a "A noite que choveu insónias" de maria.ana |
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Administrador
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15/2/2007 12:46 De Porto
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3782
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olá Rogério Beça
já todos sabem que eu não tenho capacidades de análise, crítica. quanto muito, faço uns comentários que ficam a desejar, não só porque digo o que não acho, como acham o que não quis dizer (rsrsrs) é tramado. ainda bem que há quem o faça e da forma que o fazes, Benjamim também o faz , duas formas primorosas de o fazer. ...e não podia concordar mais com este comentário a: "a noite que choveu insónias" de maria.ana o que conheço desta autora tudo é a personificação do sublime. obrigada. atenciosamente HC
Criado em: 17/6/2023 12:27
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Comentário: "A noite...", de maria.ana p/ R.Beça e HC |
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Administrador
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2/10/2021 14:11 Mensagens:
598
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Tens razão, HC: as interpretações do Rogério são únicas, cheias de descobertas surpreendentes, momentos comoventes ao lado de ironias saborosíssimas. Mas tenho todo o prazer em ver aqui outros pontos de vista, com outras experiências de leitura e outro estilo de crítica. Como, por exemplo, a tua perspetiva, nos dois comentários que tiveste a iniciativa de escrever, com entusiasmo e clarividência. Agradeço, também, a referência aos exercícios que escrevo por aqui e que me ajudam a refletir cada vez melhor (assim espero, pelo menos) sobre as palavras e as coisas. Abraços aos três (maria.ana, R. Beça e HC)
Criado em: 18/6/2023 20:31
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Re: Comentário a "A noite que choveu insónias" de maria.ana |
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Membro de honra
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7/12/2021 20:30 Mensagens:
310
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Na verdade, é um privilégio ter perto de mim três das pessoas que mais admiro neste sítio. Pela sua cultura, pela criatividade, pela interação que promovem.
A todos agradeço a atenção que dão aos meus textos e as palavras que aqui deixaram. Se HC escreve " o que conheço desta autora tudo é a personificação do sublime. “, então vale a pena continuar por aqui, entre pessoas com quem tenho aprendido tanto. Sobre os comentários de Rogério Beça e de benjamin, penso que, além do gosto que têm em fazê-los, esses comentários ( únicos, em minha opinião ) implicam tempo, trabalho e dedicação aos outros utilizadores e ao próprio “site”. Muito obrigada, Rogério, HC, benjamin. Abraços Maria
Criado em: 21/6/2023 17:53
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