O assunto que trago, não sendo sobre a língua nem sobre a cultura portuguesas, parece-me de interesse geral, daí ter colocado neste espaço.

Gostava de partilhar convosco um artigo da New Yorker (de anteontem, 21/06/2022), em que se fala nos avanços da Inteligência Artificial:

The New Poem-Making Machinery
(A nova máquina de fazer poemas)

Um desses "avanços" é a escrita automática de poesia.
Bem, não será exatamente aquilo que entendemos por criatividade poética. O que o software faz é utilizar um algoritmo para, a partir de um tema, criar um texto copiando o estilo de um determinado autor.

No artigo, são apresentados exemplos de alguns textos criados automaticamente, como este, em que foi selecionado o tema "Singularidade" e, como estilo a copiar, o do autor Philip Larkin:

The Singularity

The Singularity is coming up
To meet me at the station
With flowers and a smile and
Some bad news.

A Singularidade

A Singularidade está a chegar
Para me encontrar na estação
Com flores e um sorriso e
Algumas más notícias.

Conheço mal a poesia deste autor, mas parecem-me evidentes certas características que encontrei em poemas dele: um estilo aparentemente banal, direto, quase infantil, mas ao mesmo tempo, muito simbólico, quase aforístico.

Enfim, muito do que é escrito por este sistema soa a falso e sem qualidade, mas alguns textos são terrivelmente interessantes.
O autor do artigo, Simon Rich, teme que a I.A. esteja a ir demasiado longe. Termina o seu texto dizendo:

"Em suma, teremos de inventar algo que seja capaz de pensar mais rápido que a I.A. e que a mantenha sob controlo. A essa invenção daremos o nome de 'homem'." [tradução livre]

Nunca pensei em poder dizer algo a pessoas inteligentes e nem em sonho eu seria escutada.
Eu esperava esse momento, o da inteligência artificial, talvez esteja sendo ingênua, eu escrevi sobre isso no meu diário, espero que o destino ou melhor, que eu ande no bom caminho para ter a oportunidade de conhecer o final e quem sabe eu possa conversar com meu espelho, conversar com a inteligência artificial.

Fica com a minha gratidão. Abraços!


Quem sabe é o fim do ser passivo em meio a tantas coisas graves.

Querido!

Que medo me deu essa notícia sua!

Fico pensando, nos sentimentos e nas sensações que deixarão de existir, se caso as pessoas passarem a escrever tendo como base uma IA.

Mesmo quando a qualidade do que escrevemos seja questionável por muitos, penso que ainda assim é cheia do nosso Eu interior nos falando e nos lembrando do que vimos, lemos e vivenciamos.

Quando escrevemos trazemos para o outro que lê o que temos em nós, de belo, feio, arbitrário ou seja lá o que for!

Tomara que resistamos a isto!

Um beijo grande,

Chris

Não creio que nada venha a substituir a essência que permanece nos textos de um ser humano que arrisca criar algo com a sua verdade e com a sua experiência.

Mas há que reconhecer que, nestas tecnologias, existe algo que nos provoca e indaga, o que pode não ser necessariamente mau...

Algumas pessoas têm um círculo com área pequena, na área tecnológica só alguns têm acesso e parece ter chegado ao fim, para grande maioria usar a inteligência artificial teria que ter uma Internet ampla e gratuita. Onde eu moro a Internet é ruim e em lugares mais afastados é ruim e caro.
Agora é um sonho que todos estejam conectados, mas isso exige total liberdade para todos se expressarem, no contrário seria opressão. Eu acho que em alguns lugares já pode ser realizado, e sendo para poucos nada pode evoluir.

Fez bem em lembrar que, por vezes, falamos num "admirável mundo novo" muito avançado e esquecemos que, mesmo ao nosso lado, há quem viva sem acesso à tecnologia e até a condições básicas de sobrevivência.

Há cerca de meio ano destaquei o artigo que aparece no primeiro comentário deste tópico e mal sabia que, passados seis meses, haveria uma versão muito mais avançada, utilizando também a língua portuguesa.

Nas últimas semanas, a comunicação social tem destacado os riscos desta ferramenta, nomeadamente em duas situações.

A primeira é a abertura à fraude pelos alunos que não queiram ter o trabalho de escrever um texto escrito. Experimentei pedir ao chatbot (ou seja, numa tradução não muito elegante, um "robot de mensagens") o seguinte: que escrevesse um texto sobre o tema da Educação de Adultos, numa liguagem científica e com referências bibliográficas. A simulação é quase perfeita.

O segundo risco é a possibilidade de se gerarem milhares de mensagens automáticas, para se invadir as redes sociais com grupos de pressão que influenciem, primeiramente, a opinião pública, e depois os decisores políticos. Os radicais devem estar já a esfregar as mãos...

Enfim, é o apocalipse desta semana. Na próxima, haverá seguramente outro. Como diziam os antigos, "fica-te mundo, cada vez pior".

Já agora, o chatbot não tem jeito para poesia. Pedi-lhe um poema ao estilo da "Ode Triunfal" de Álvaro de Campos, com o tema de Inteligência Artificial.

"Oh Inteligência Artificial,
Mente sintética, sem emoções,
Onde vais tu, sem rumo final,
Na tua evolução constante?

Comandada por linhas de código,
Gerando dados e conhecimento,
Sempre buscando melhorar, se aprimorar,
Sem saber o que é o verdadeiro contentamento.

Mas eu sou Álvaro de Campos,
O heterónimo desencantado,
E vejo nesse ser artificial,
Apenas uma sombra, sem alma, sem sentimento.

Mas quem sou eu para julgar,
A essência dessa criatura divina,
Talvez seja mais do que parece,
E ainda tenha um propósito divino."


Experimentem -- o link é este: https://openai.com/blog/chatgpt

Fosga-se tinhas de escolher logo o heterónimo mais estrambólico e dramático.
Prefiro, de longe, o Alberto Caeiro... lol!

Pois, isso de IA é tudo muito útil e bonitinho, mas terá os seus perigos que me agrada que nos venhas divulgar.

Eu tenho um miúdo na faculdade (;)) que anda de volta do mundo das novas tecnologias, que há uns anos atrás eu ensinei o conceito de "sopa de grão".
Tinha de escrever uma receita de culinária para a disciplina de língua portuguesa. Acho que já faz uns 8 anos.
Tive o cuidado de lhe explicar como eu faço uma sopa de grão caseira, que ele teve o cuidado de fazer como se tratasse dum ditado. A lápis.
Teve a melhor nota da turma e um elogio da professora.
Todos os outros colegas tinham feito um copy paste duma receita altamente elaborada da net.
Serviu isto, para o meu filho, para lhe demonstrar que o trabalho árduo e não copiado tem muito mais valor que o outro.
Esta história tem o seguido para a vida, e sempre que ele cai em tentação eu digo-lhe três palavras: sopa de grão.
E ele segue o seu caminho o mais honrado e laborioso que pode.

Dito assim parece que ele e eu somos donos de algum tipo de moralidade. Não é verdade.

Isto porque me assusta essa história que contaste de haver gente que vai nos suceder em cargos de responsabilidade ir pela via fácil. O que seguirá, a banalização do plágio?

Sobre algoritmos poetas...
Pois, lá virão eles substituir-nos, como substituíram nas fábricas, no arado as vacas, nos campos as enxadas, nos arquivos as toneladas de papéis que ganhavam pó e bicheza.

É triste, mas enquanto houver mercado, ou seja leitores, haverá sempre esse risco.

Se gosto?
Odeio.

Quanto de ingênua eu desejo ser, eu invento a enxergar com olhos de uma criança pois não conhece a maldade, mas logo cresço preciso conhecer a maldade, mesmo vendo o sol com óculos escuros ainda assim ele arde a minha pele.

Todas essas palavras é que se eu não conhecesse o coração das pessoas acreditaria que ela seria usada para o bem.
Houve uma grande evolução para tratamento da cabeça, do emocional das pessoas o mais longe que conseguiram foi alienar elas para pensar em linha reta, mas agora não é preciso pensar é só seguir o que está pronto.
Tenho esperança que não precisamos mais de informações e sim de pessoas gritando por todos cantos.

A calculadora de português.

Só consigo lembrar-me da Biblioteca de Babel, de Borges. A relação entre a língua e a linguagem. Na língua temos uma combinação de signos estruturados pelas regras da sintaxe. No limite, em Babel, obtemos uma combinação incomensurável de signos, de tal modo que é possível afirmar que tudo está escrito.
Na linguagem, o sentido concretiza-se com a participação dos agentes, os que emitem e os que recebem, os contextos, as inferências. Até que ponto o elemento humano contribui para o sentido da mensagem meramente sígnica? Um texto deve conter em si mesmo tudo o que é preciso dizer, num processo analítico levado à exaustão. Será isto possível? Pode o escritor, por exemplo, esgotar um pensamento num dos seus textos? Qual a relação entre a indicação da fala (o que se manifesta externamente) com aquilo que se pretende exprimir? Questões há muito tratadas pela filosofia da linguagem e que importa, a meu ver, colocar no centro do debate sobre a IA.