Principais notícias sobre o Prémio Nobel da Literatura 2024:
. Público
. Expresso
. RTP
. CNN
. SIC

Excerto de A Vegetariana, de Han Kang:

Um bosque escuro. Sem ninguém. As folhas das árvores de pontas aguçadas, os meus pés feridos. Um lugar quase familiar, mas agora estou perdida. Assustada. Com frio. Do outro lado da ravina gelada, uma casa vermelha a lembrar um celeiro. Um tapete de palha que passa para lá da porta e o vento levanta. Enrolo-o e entro, e aqui dentro é isto: uma longa vara de bambu cheia de bocados de carne vermelha espetados, com o sangue ainda a escorrer. Tento passar para lá da carne, mas esta nunca mais acaba e não há saída. Já tenho sangue na boca e a roupa ensopada de sangue cola-se à pele.

Acaba por aparecer uma saída. Corro, corro pelo vale até que, de repente, surge um bosque. Árvores cobertas de folhas, a luz verde da primavera. Famílias a fazerem piqueniques, crianças a correrem de um lado para o outro e aquele cheiro, aquele cheiro delicioso. Quase doloroso de tão vívido. O regato rumorejante, as pessoas a estenderem esteiras de junco para se sentarem, a petiscarem kimbap. Churrascos de carne por entre o barulho de pessoas a cantarem e a rirem de alegria.

(D. Quixote, 2019, pp. 16-17)

Este ano é dos poucos em que conheço, realmente, o vencedor.
Tenho 2 livros da Han Kang e li ambos.

Atos Humanos
Retrata um período muito difícil da história recente da Coreia do Sul (Han Kang é sul-coreana), conhecida pela Revolta de Gwangju (1979/1980). O regime de ditadura militar impôs duras restrições à população, cortando-lhes toda a liberdade que pudessem ter. Associavam-nos ao regime norte-coreano para justificar as suas próprias ações: tortura, assassinatos em massa, incêndios em casas de onde se sabia que as pessoas não podiam fugir. Enfim! Até hoje, não se sabe verdadeiramente quantos morreram às mãos do regime.
A escritora conta-nos esta tragédia pela voz de sobreviventes e espetadores. Não é fácil, por vezes, suportar tamanha crueldade, muito bem exposta no livro.
Numa altura em que no presente assistimos a guerras regionais, não me espantaria se o Nobel fosse dela por isso.
As guerras, e aqueles a quem ela ataca, constituem uma verdadeira saga num mundo preocupado com as alterações climáticas.
Aconselho vivamente.



A Vegetariana
Nesta obra, vencedora do Man Booker International Prize, Han Kang mostra todo o seu talento. De algum modo, fala também de liberdade. A protagonista escolhe, de repente, ser vegetariana num contexto social e familiar onde ninguém a entende, e onde começa a haver verdadeiros problemas. Porque se a liberdade de escolha nos parece normal, para outros não é.
Quem pode dizer o que fazemos ao nosso corpo?
Quem pode falar sobre aquilo que comemos?
A protagonista acaba por querer ser vegetal. Talvez, deste modo, se sofra menos.
Idem