Comentário a "de cinza a rubro", de Rogério Beça |
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“de cinza a rubro”, de Rogério Beça – Link para o texto original
“de cinza a rubro”, de Rogério Beça de rubro a cinza Alegrem-se os incolores, os puros vitrais, cristais, os autores Tristes os de carne-viva, os azulados, encarnados, e a cativa E vivam os indiferentes ANÁLISE Nº 2 Nesta análise, vejamos cada verso: de rubro a cinza – um dos meus versos preferidos. Podemos ver este cinza como uma cor entre o preto e o branco, ou os resíduos de algo queimado, finado, acabado. Ao contrário, o rubro é algo vermelho-vivo como o sangue, o fogo. Ardente. Quer num caso, quer no outro podemos estar a falar só de cores ou só de símbolos ou de ambos. Escolhamos ambos. Portanto, o sujeito poético começa por nos dizer que vai do incipiente acabado em direção ao ardente, que queima e que vive. Ao cúmulo da excitação. No título, atenção! Porque no poema, e neste primeiro verso de que falo, é ao contrário. Quererá que andemos em círculos? Ou para a frente e para trás? Alegrem-se os incolores, os puros vitrais, cristais, os autores Autores incolores não se veem. Alegrem-se, diz-nos. A ausência de cor é motivo de alegria, e os que criam são assim ou, se não são, deviam. A cor que deve alegrar, juntamente com aquela que não existe, é a que se apresenta como mistura heterogénea: vitrais puros – onde conseguimos vislumbrar a cor e a sua beleza nos desenhos e figuras que vemos; cristais, onde a cor assume várias tonalidades e tem poderes a ela associados, significados atribuídos. A cor não só como atributo, mas como fazendo parte do objeto, característica sua. Assim, a alegria deverá ser também. Tristes os de carne-viva, os azulados, encarnados, e a cativa A seguir à alegria, a tristeza. Agora com algumas cores básicas nomeadas. Acima dissemos que iríamos em direção ao vermelho-vivo, ao ardente. Mas não parece ser o caso pois se estamos face a uma tristeza de carne-viva. E o rubro começa pelos de carne-viva (Pedro Almodóvar tem um filme com este nome: “Em Carne-Viva”). Aqueles que têm uma forte sensualidade, a parte corpórea do ser humano. Vermelha. Como os encarnados, que devemos ser todos nós incluindo os primeiros, os rubros. Não é o nosso sangue desta cor? No dicionário há vários significados, com distintas diferenças. Escolhemos estes porque nos parece ser o que o autor pretendia. Os azulados serão os de sangue real ou da nobreza; ou então os mortos por venenos tão letais como a Atropa belladonna. Naturalmente, que estes serão tristes. Mas e os de carne-viva? E os encarnados? Concluimos daqui que todos somos tristes segundo o sujeito poético, e de nada temos que nos alegrar. Porque vivemos a vida, temos sangue nas nossas veias vermelhas, a pulsar, a contar o tempo que passa, a contar o tempo que falta... E a cativa? É quem? Uma escrava em cativeiro? Uma mulher embaraçada? Uma cor que se desbota facilmente! Sim, é triste: ser uma cor que “desmaia”. E vivam os indiferentes São estes os que melhor vivem. Serão? Os que não se ralam com nada, que não se preocupam, que vivem olhando para o lado. De que cor serão? Eu aposto no cinza do 1º verso. E é assim que deve acabar, no cinza, nos indiferentes. Afinal, vivam os cinzas! Tenho para mim que quando não se vive intensamente, não se faz tanto doente, não há rubro suficiente... Ótimo poema, Rogério. Custa um pouco dissecar até ao osso um poema de que gostei tanto. Espero tê-lo feito sem afetar, em nada, o poema. De todo o modo, é uma leitura possível e um exercício interessante. Obrigada. Beatrix
Criado em: Hoje 18:01:58
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