Sobre "Corpo de Abrigo", de Edgardo Xavier |
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Sobre "Corpo de Abrigo", de Edgardo Xavier
(Publicado em www.euxz.blogspot.com a 10.12.2013) Quando tive contacto com o que escrevia este autor criou-se de imediato uma empatia entre o que lia e o que eu entendo como o acto da escrita, o que levanta um desafio: como escrever sobre a obra sem que apresente a minha própria metodologia de escrita?, como criar distância entre o eu que escreve e o eu que lê? E digo isto porque há diversos aspectos neste “Corpo de Abrigo”, editado em 2011 pela Temas Originais, que têm muito que ver com aquilo que faço: poemas desprovidos de excessos, quase diria lapidados até ao osso; imagens cristalinas, sem recurso a grandes elaborações metafóricas. Dois pontos fulcrais, a meu ver, para que a mensagem seja entregue ao outro com eficácia e este a reconstrua mediante os seus próprios valores, as suas próprias vivências. A linguagem torna-se em pedra. Vai-se retirando o tal excesso. Procura-se dentro de si mesma ou, como refere o poeta: “Uma luz doce desce pelo teu ventre até à sombra onde vibram os medos e a boca mergulha como ave silenciosa”(1) Se na literalidade descobre-se o corpo feminino, a imagem descreve-nos, pelo menos a este leitor, uma poética, um modo de operar em poesia. Aliás, creio que se murmura em cada dobra do poema o labor do poeta. Quase diria que, ao aproximar-nos do abismo, pela finura do verso, podemos vislumbrar algo como, a título de exemplo, a sucessão de exercícios de Picasso para a elaboração do seu quadro “O Touro”. Ou seja: na poética de Edgardo Xavier não se procura os que os olhos vêem, o aparente, sequer a sua representação pela aproximação, antes se indaga o absoluto. Daí, na minha perspectiva, a palavra ser-nos legada como objecto erotizante, pleno de sensualidade, pronto, no fundo, para o deflagrar, não só da razão, pelo valor que emprestamos a cada palavra, mas, e sobretudo, dos sentidos. Tal efeito é produzido pela musicalidade serena que o poeta nos dá pelo sábio uso da sonoridade das sílabas, música essa que, tal como afirma Edgardo Xavier: “(...) vem de ti promessa ainda demorada na luz do tempo no pó da estrada”(2) ou seja, na minha leitura, das impressões colhidas e que a memória guardou e transformou ao longo do caminho que é a nossa própria vida. E nesta vida outra que o poeta enforma em poema porque só a poesia: “Diz o meu nome pelo lado doce das sílabas mansamente Só na tua voz se espelha a minha sede e no verde líquido dos teus olhos lavo os meus” (3) Esta é, para mim, a magia da poética que este “Corpo de Abrigo” guarda: onde se descobre, pelo poema, a essência, o tal nome que verdadeiramente me pertence; a voz que se colhe na demanda da nossa própria sede; e, por fim, se limpa o olhar do aparente. Este é o caminho, o trilho para se abarcar o verdadeiro conhecimento do eu, do outro, em suma: do mundo, do tal absoluto que antes referi e que o poeta, cinzelando cada palavra, procura e por isso afirma: “Chamo por ti até que a cinza me cubra de negro e terra” (4) NOTAS: (1) XAVIER, Edgardo – “Corpo de Abrigo”, Temas Originais, Coimbra, 2011, P. 16. (2) XAVIER, Edgardo – Ob. Cit., P. 25 (3) XAVIER, Edgardo – Ob. Cit., P. 33 (4) XAVIER, Edgardo – Ob. Cit., P. 41
Criado em: 15/1/2014 10:31
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