Sobre "Dias Incompletos", de Ana Wiesenberger |
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Sobre "Dias Incompletos", de Ana Wiesenberger.
(Publicado a 26.10.2013, em www.euxz.blogspot.com) No ano de 2011, surgiu “Dias Incompletos”, da autoria de Ana Wiesenberger, poetisa que, se as minhas informações estão actualizadas, à data, publicou, contando com o mencionado, dois volumes de poesia, tendo o segundo por título “Idades”. Em “Dias Incompletos”, a autora indicia-nos de como soube escutar as coisas que a circundam. Não passou indiferente ao real, transportando-o para dentro do próprio poema, como se o olhar, ele próprio, fosse a mão que escreveu. No entanto, e apesar da quase direi crueza que a obra parece apresentar, tal conclusão é apressada, só possível, na minha opinião, se se passar pelo livro como se passa amiúde pela vida: sem vontade de ter tempo; sem capacidade de olhar para além do que a paisagem propõe. Ana Wiesenberger propõe-nos exactamente isso: diz-nos do reflexo no vidro da janela, mas como que nos convida a abrir essa mesma janela e meditarmos sobre o que há para além. Aproxima-nos do rosto através da amostragem da máscara, daquela com que nós enfrentamos os nossos afazeres quotidianos; essa máscara que, sentindo-a necessária, sempre questionamos da validade dessa mesma sensação. Talvez exista por aqui, como refere Agostinho da Silva, embora a conclusão que este filósofo português tira seja, a meu ver, perigosa, “um suplemento de ócio que, excelente em si próprio, porque nos aproxima exactamente daquele contemplar dos lírios e das aves que deve ser nosso ideal”. (1) E este suplemento, utilizando a palavra do pensador, talvez tenha a capacidade de abrir a porta à possibilidade de enfrentar o mundo com o próprio rosto. Lê-se logo a abrir o poemário, no poema [Há dias], o seguinte: “Há dias Em que não compreendemos Porque temos de aceitar Cúmplices A tortura das trivialidades A que estamos constantemente expostos” (2) Depois, o questionar, o procurar a tal necessidade da máscara, concluindo o dito poema com uma estrofe que considero lapidar: “Há dias Em que deveríamos pôr de lado A responsabilidade O dever A chatice De existir” (3) E o que vem a seguir é exactamente uma amostragem desse existir chato, desse existir longe do que sentimos ser o que somos. Desde: “As pessoas (...) Que esqueceram os sentidos, Mas estão convencidos Que vêem, Que sentem nos dedos e nas glândulas O pulsar da vida”(4) Puro engano, digo eu, porque tal como escreve Ana Wiesenberger, nós “Sentamo-nos Ajeitamo-nos nas cadeiras E esperamos pelo fim.”(5) Em suma: gastamos o tempo sem ter a sensação, já não digo consciência, de que se usufruiu desse mesmo tempo. E tanto assim é que a autora remata o poema intitulado “Urgência” dizendo isto: “Os que franqueiam a porta de saída De receitas na mão, vão contentes Não por estarem sãos Mas porque já estão livres De esperar”(6) É caso para dizer: será toda a vida, toda a nossa existência um tempo de espera? Será que reconfigurámos (ou desfigurámos) o nosso mundo como uma autêntica sala de espera? Onde reside então a saída, a saída de facto, para esta nossa vidinha? Talvez exista aqui, neste espaço-outro que o poema é capaz de criar. No fundo, a poesia é partilha de conhecimento e eu, tal como a poetisa Ana Wiesenberger, “Quero trazer a poesia para a rua Vê-la descalça a pisar A terra e as pedras Sem medo de assumir A sujidade dos dias Quero poemas com cheiro e ruído”(7) Porque, tomando agora meu este seu dístico, considero que ainda há tempo para ter tempo, ainda há tempo para viver, ainda há tempo para, quem sabe, convencer “Deus A tornar-se um poeta”(8) NOTAS: (1) SILVA, Agostinho da – in “Citador”. http://www.citador.pt/textos/a-face-o ... cnicos-agostinho-da-silva (último acesso a 15.10.2013). Com a seguinte referência bibliográfica: “Agostinho da Silva, in “Textos e Ensaios Filosóficos” (2) WIESENBERGER, Ana – Dias Incompletos, Temas Originais, Coimbra, 2011, P. 7 (3) WIESENBERGER, Ana – Ob. Cit., P. 8 (4) WIESENBERGER, Ana – Ob. Cit., P. 10 (5) WIESENBERGER, Ana – Ob. Cit., P. 12 (6) WIESENBERGER, Ana – Ob. Cit., P. 14 (7) WIESENBERGER, Ana – Ob. Cit., P. 19 (8) WIESENBERGER, Ana – Ob. Cit., P. 20
Criado em: 31/10/2013 7:11
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Re: Sobre "Dias Incompletos", de Ana Wiesenberger |
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1/12/2011 19:30 De Rio de Janeiro
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Olá, Zarco. Tenho lido seus artigos sobre os poetas apresentados por você aqui no fórum e apreciado muito. Parabéns pela excelente iniciativa. Grande abraço.
Criado em: 1/11/2013 23:01
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Re: Sobre "Dias Incompletos", de Ana Wiesenberger |
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Membro de honra
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Camarada Felipe Mendonça,
É um dos meus hábitos escrever sobre o que vou lendo (desta feita, um dos livros que apresentei). Grato pela leitura e comentário. Um abraço Xavier Zarco
Criado em: 11/11/2013 7:04
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